Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 04.10.1997

 

Barra

Na cola do cinema, peça lota teatro

No século V a C., Tepsis, o primeiro ator do mundo, foi considerado um herege quando declarou ser Dionísio no palco improvisado no mercado de Atenas. De lá para cá, muitas heresias foram cometidas em cena. Mas esse não chega a ser o caso de Hércules, em cartaz no teatro Barra shopping. Com uma produção muita bem cuidada e um texto que poderia revelar uma peça de curioso interesse, o espetáculo segue o caminho, também legítimo, do show business, e acaba se tornando mais um pretexto cênico para angariar a simpatia da platéia que já assistiu a produção dos Estúdios Disney com o mesmo título. E nessas horas o poder do cinema se mostra imbatível. Como resultado: teatro lotado e mais cadeiras extras para atender a demanda.

Em cena, o texto de Andréia Burle e Michel Max conta à saga de Hércules, filho de Zeus e uma mortal, que precisa realizar alguns feitos heroicos para poder chegar ao Olimpo. Mas como também foi o teatro grego que criou o antagonista para fortalecer a performance do protagonista, Hércules tem que enfrentar seu inimigo Hades, que usa todos os recursos para impedir o herói. Mesmo assim, Hércules cumpre suas tarefas. Cumprida a missão, resolve mesmo viver entre os mortais, depois que se apaixona por Mégara. O final feliz é garantido.

Mas se a história tem fio dramático a contento, a direção não foi tão feliz nem para o ator nem para o espetáculo. Brincando com a verdade cênica, Marcos Marcondes deixa o elenco superatuar na maior parte do espetáculo. Vilão (Michel Max) e protagonista (André Segatti) no mesmo tom exacerbado e com texto quase recitado não conseguem expor muita diferença entre os dois personagens. Melhor está Andréia Burle, intermediando o bem e o mal com sua Mégara.

Subvertendo a ordem dos papéis principais, ganham a simpatia da platéia os dois personagens de apoio: Pânico (Cláudio Althiery) e Agonia (Roger Lopes). Interpretando uma dupla coadjuvante do vilão, os personagens funcionam como excelente contraponto de humor na trama. Em nome desse humor, porém, alguns contrapontos são cometidos. Infelizmente o cacochega mais uma vez, na forma de vinheta musical de mau gosto do tipo “Boquinha da Garrafa”, o “Tchan”, que deve ser segurado a fatal mão no joelho e uma abaixadinha. Não precisava.

Os cenários de Lameras, considerado o curto tempo para sua montagem em razão da superocupação do palco, dão o toque de bom gosto ao espetáculo. Os figurinos assinados pelo mesmo autor seguem a linha convencional sem exageros. O único toque destoante vai para o salto alto da personagem Mégara. O adereço tem o mesmo efeito dos escarpins que usavam as estrelas nos épicos de Hollywood nos anos 50. Se a citação foi à plataforma que usavam os gregos no palco para serem vistos da platéia, a idéia morreu na intenção.

Com todos esses altos e baixos, é bom lembrar do bom e velho vox populi. Seguindo essa idéia, Hércules acrescenta mais um aos seus 12 trabalhos e lota a platéia do teatro.

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