Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 18.10.1993
Emoções têm sabor dos anos 70
No final dos anos 60, quando tudo era proibido, frequentar os teatros dos DCEs era um programa quase que obrigatório, mesmo para os mais alienados. Assistir a uma criação coletiva que caísse de pau no sistema ou ao último texto picotado pela ágil tesoura da Censura Federal poderia render assunto para a semana inteira. Na maioria das vezes, representados por atores amadores, os espetáculos ganhavam força aos olhos do espectador. Menos pela qualidade da performance, do que por permitir que se participasse da incrível aventura de estar num local que, a qualquer momento, poderia ser invadido sabe-se lá por que tipo de forças estranhas. Correndo na contramão do explicitamente político, os textos de Plínio Marcos, traziam para o palco da burguesia a nata da marginalidade. Empatia instantânea, sucesso absoluto.
Mesmo que nenhuma força, além do público pagante, tenha a intenção de invadir o Teatro Vanucci, ocupando um dos horários alternativos do teatro, lembra muito esta época, principalmente no que diz respeito a estética da montagem. O argumento de Zé Carlos Moreno, baseado na obra do compositor Gonzaguinha traz ao palco um espetáculo completamente emocional, onde os erros e acertos na dramaturgia são o que menos importa. Moreno tem sob sua direção 15 jovens atores que se envolvem sem medo de ser piegas (o que às vezes acontece) nesta aventura teatral.
Sentados na mesa de um botequim, três boêmios procuram no cotidiano inspiração para suas músicas. Do lado de fora, as letras estão prontas. São meninos de rua que desceram do Borel para ganhar a Cinelândia com todas as armas: lata de cola, canivete ou caixa de engraxate. A louca da rua é dona do Teatro Municipal. O sherife controla a prostituição e a moça vende brincos, dependendo do astral, pode ler um tarô cigano. São tipos reais de um universo por si só caricato.
Entremeados no texto de Zé Carlos Moreno, as letras e músicas de Gonzaguinha são interpretadas pelo elenco dentro do maior realismo possível. Construído com a intenção de emocionar o público até as últimas consequências, o espetáculo tem, além da presença de Daniel Gonzaga (filho de Gonzaguinha) no violão, cenas realizadas na plateia, como um convite à reflexão, quem sabe ao choque. Uma nítida referência ao teatro participativo dos anos 70, que encontra nos jovens espectadores o alvo certo.
Nos acordes finais da música que dá nome ao espetáculo, são projetadas imagens dos personagens, vividas diretamente no local do crime: Cinelândia, Largo da Carioca, Largo do São Francisco. O último fotograma é do compositor Gonzaguinha. A música aumenta e a plateia sai do teatro com o compromisso de tomar uma atitude, ou um sorvete no Shopping da Gávea.
A Gente não tem Cara de Babaca – Teatro Vanucci, Shopping da Gávea. ÀS 3ª e 4ª, às 19h.
Cotação: 2 estrelas (Bom)