Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 11.10.1997
Espetáculo com toque de mestre
Durante um ano, o ator e produtor Raul Labanca dedicou seu tempo a pesquisar as origens da folia de reis, essa festa popular vinda da Idade Média que até hoje guarda muito bem os seus segredos. Uma mistura de culto religioso com rito profano, a folia tem na figura dos seus Palhaços um dos mais interessantes personagens. Correndo por fora do ritual, eles representam o que poderia se chamar de o bom diabo. Sua performance cativa à platéia na mesma medida em que a mantém assustada. Nesses casos a curiosidade vence o medo e todos se divertem.
Raul Labanca, idealizador do espetáculo, deixou para Bráulio Tavares a tarefa de transformar seu roteiro num texto teatral. A feliz parceria resultou na montagem de Folia de Reis, peça em cartaz nos jardins do Museu da República. A história se conta a partir da morte do dono de uma folia que não deixa seguidores, já que seu filho deixa a roça para conseguir emprego na cidade grande. Quando o casal chega à cidade recebe a notícia de que o filho está doente e volta à aldeia para dar continuidade à tradição da família. Como nas moralidades medievais, esta também carrega sua mensagem: ou se vai pelo amor ou sevai pela dor.
Para armar essa folia, Labanca conta com o precioso apoio da Cia Teatral Nosconosco e seus diretores Célia Bispo e Roberto Dória. Bispo e Dória mais uma vez acertam em cheio na realização do espetáculo, com o toque de mestre vem caracterizando suas montagens, como O Arlequim e O Barbeiro de Sevilha. Num trabalho completamente autoral, os diretores e sua Cia fazem do teatro dentro do teatro sua marca registrada. Dessa vez a carroça cenográfica que sempre traz a Cia para encenar sua história chega invisível ao olhar do espectador, mas não a sua percepção.
Para ambientar essa festa, Roberto Dória cria para o espaço aberto do museu um cenário extremamente colorido, cheio de toque regionais, como as flores de papel crepom que lembram o artesanato do Vale do Jequitinhonha. Emoldurando a ação, pequenos nichos com figuras religiosas iluminadas por velas votivas de várias cores. Outro achado é a luz de Aurélio de Simoni com seus fios aparentes, onde estão dependuradas pequenas lâmpadas como as dos presépios de cidades do interior. Ney Madeira veste o elenco com uma mistura de trajes rústicos com outros cheios de brilhos, num bom retrato da estética regional brasileira.
Contando com bonitas canções também assinadas por Bráulio Tavares, o espetáculo tem grande parte de seu enredo cantado. A música ao vivo embala o texto como parte integrante da ação e não como um solo à parte só para distrair a platéia. De excesso somente o longo desafio dos palhaços que antecede o final do espetáculo. Um corte seria bem-vindo, já que o desafio da folia teatral emenda com o desafio da folia convidada.
O fecho de ouro de Folia de Reis fica com a emocionante participação da folia do Morro Dona Marta e seus palhaços, que dançam além de qualquer coreografia marcada. É ver para crer.
Cotação: 3 estrelas (Ótimo)