Crítica Publicada na Tribuna de Imprensa – Pág. 05
Por Cecília Loyola – Rio de Janeiro – 09.06.1988
Gestão cênica
Os jovens diretores que neste momento colocam seus exercícios no palco do Sesc da Tijuca são parte do Projeto Sesc Ensaios, cujo objetivo maior é o questionamento da linguagem cênica. Assim vêem no palco um espaço livre a ser fecundado pela experimentação.
André Monteiro e José Luis Rinaldi são herdeiros de um primeiro movimento de outros diretores, também jovens, e para os quais nem sempre foi tudo tão fácil. A ambiência cultural adversa na qual lançaram suas sementes respondeu frequentemente com uma sonora gargalhada às suas pretensões e até mesmo à simples menção da palavra pesquisa. Vencida a resistência, a palavra ganhou as ruas e os meios de comunicação, sugerindo o seu consumo fácil e barato. Eis o risco que corremos todos os envolvidos com um teatro que se crê questionador da linguagem.
O Projeto Sesc Ensaios se mostra atento ao problema, mantendo aquela palavra de ordem no seio da discussão. Aqui, a tecnologia está a favor do teatro: o vídeo não é apenas entretenimento de intervalo, mas gerador de debate, entremeado cenas no Exercício nº 1 às palavras de atores conhecidos. E o espaço consegue a proeza de cotejar as opiniões de Yara Amaral, Sérgio Brito, Fernanda Montenegro, Jorge Dória, Nathalia Timberg às do público majoritariamente jovem, proveniente do teatro dito alternativo e que ocorre ao Sesc em busca de uma troca fundamental entre os grupos envolvidos com a mesma arte.
No palco, os dois espetáculos desta etapa do projeto são aparentemente autônomos, mas ambos margeiam o mesmo universo: o desejo de discutir a ausência de privacidade no mundo moderno. O primeiro se constrói a partir da presença de três mendigos, cujo olhar interfere permanentemente nos espaços privados, morais ou físicos, das outras personagens. O segundo brinca com a construção naturalista do teatro, decompondo o espaço aparentemente privado do lar.
Baseado no romance Justine de Lawrence Durrell, o Exercício nº 2 se apresenta como uma bela sequência de imagens criadas pelo diretor José Luis Rinaldi. Envolve a plateia alternando tons quentes e frios para compor e destacar as cenas. Entretanto, as situações que o texto propõe são exploradas unicamente na sua dimensão visual e o diretor vai dispondo atores e cenas como uma colagem sobre o palco, apoiando-se mais na sonoplastia do que nas interpretações. Não explorados no seu potencial, os atores se fragilizam. Alguns deles se destacam, revelando que a experiência às vezes supre a ausência de direção. E o caso sobretudo de marcos Oliveira, cuja atuação é fundamental para decorrer do espetáculo. Márcia Oliveira, cuja atuação é fundamental para o decorrer do espetáculo. Márcia Victória e Wagner Coelho também se destacam com sua presença cênica. Essas interpretações, no entanto, e a sugestiva cadência do imagens qie a montagem nos proporciona são suficientes para que o exercício se efetive. Imagens assim trabalhadas acabam por se transformar em amarras formais que não libertam a cena para a pesquisa mas, ao contrário, atrelam-na a um formalismo simplista, carente de discussão estética.
Para o Exercício nº 3 André Monteiro se inspirou na obra de Julio Cortázar e na Poética do Espaço de Gaston Bachelar. Joga-se o foco sobre os interiores da casa, último reduto da ambicionada privacidade. Para revelar a falácia deste espaço privado, o diretor lança mão dos recursos naturalistas disponíveis, desde cenário até interpretação. Através do armário, entram e saem visitantes que transformam a casa em espaço exposto, quase público, longe da ideia idílica de lar. O rico movimento duplo de decomposição que entrelaça morada e palco torna atraente e justifica a experimentação de André Monteiro. Mais à vontade no gênero, os atores se saem visivelmente melhor e o equilíbrio da cena contribui para o bom desenrolar do exercício. Carolina Virguez é uma atriz que trabalha seu potencial com admirável tenacidade e excelentes resultados. Walter Lima Torres constrói sobriamente sua personagem, sem apelar para o fácil. E, sem dúvida, é preciso atentar para a participação da menina Maria Borba, que desde o Exercícios nº 1 nos envolve com sua dedicação e seriedade.
Os dois espetáculos, no entanto, se ressentem da ausência de uma maior ousadia. Ambos poderiam ter levado sua proposta além desses limites até mesmo e justamente por se tratarem de exercícios. Mas para altos voos é preciso de tempo de maturação em função do aprofundamento das discussões estéticas, da clareza de objetivos e, sobretudo das ideias. Fazer escola é um trabalho árduo e nem sempre a pressa é a melhor conselheira.
A alma do Projeto Sesc Ensaios é Bia Lessa. Ela faz parte daquele primeiro movimento desbravador que enfrentou chuvas e tempestades para impor uma visão própria de teatro. Não de deixou afagar pelo brilho superficial do consumo e generosamente abre espaço para que novos diretores testem seu potencial. O público fiel do Sesc da Tijuca, que acompanha Bia desde o seu primeiro gesto teatral, põe agora suas expectativas nos Ensaios que revelam a sequência e o amadurecimento destes Exercícios.