Entrevista publicada no Jornal Cultura em Movimento – Fundação Cultural de Blumenau
Sem Identificação do jornalista – Blumenau – Ago/Set 2002
O que é o CBTIJ?
O CBTIJ foi fundado em 1995, mas é uma luta que vem de muitos anos. É fruto de um processo de muito trabalho e da história de outras entidades. Em 1987, no Rio de Janeiro, a partir de uma reunião no Teatro Tablado, de Maria Clara Machado, surgiu o MOTIN – Movimento de Teatro Infantil, que foi uma iniciativa de um grupo de profissionais para trazer a público as insatisfações da categoria. Dez anos antes, em 1977, em São Paulo, era criada a APTIJ – Associação Paulista de Teatro Para Infância e Juventude. Estes movimentos enfraqueceram e acabaram com o Governo Collor, quando houve um esfacelamento total dos órgãos que cuidavam da cultura.
Mas, em 1995, num seminário realizado no Rio de Janeiro, profissionais da área se juntaram e decidiram que era o momento de criar uma nova entidade que lutasse pelos direitos do teatro para crianças e jovens. Esse grupo de pessoas se reuniu e fundou o CBTIJ nos moldes da ASSITEJ – Associação Internacional de Teatro para a Infância e Juventude, entidade que engloba associações semelhantes em 65 países.
A ASSITEJ tem mais de 20 anos e uma de suas últimas realizações foi à criação em 2001, do Dia Mundial do Teatro para a Infância e Juventude, que será comemorado anualmente no dia 20 de março, entrando para o calendário oficial, dos países membros.
Politicamente, o que vocês tem realizado nestes anos?
Nestes cinco anos o CBTIJ tem lutado por uma política cultural aplicada ao teatro para infância e juventude que tenha características próprias. A cada governo seja estadual ou municipal, enviamos um documento para o prefeito, o governador e as secretarias de cultura com sugestões de uma política de valorização do teatro para crianças e jovens.
Primeiro para que se valorize o profissional que faz teatro pra criança, porque a divisão de verbas em caso de produções ou premiações no teatro para crianças é sempre menor. É como se existisse uma “norma” que determinasse que o profissional que atue nesta área deve ganhar menos. Muitas vezes, os profissionais que trabalham num espetáculo para crianças ganham três vezes menos do que no teatro adulto. Parece que a criatividade, o trabalho e o tempo aplicados neste tipo de produção valem um terço dos aplicados no adulto. Isto sem falar na remuneração dos atores. No teatro adulto se faz quatro apresentações semanais, e no infantil só duas. O retorno financeiro para a produção e para os atores, é muito inferior ao do teatro adulto. Sendo assim, ele é duplamente penalizado. No pagamento pelos ensaios e na temporada.
Nossa briga é justamente essa. Embora muita coisa tenha melhorado, o tratamento dado ao teatro para crianças deveria ser, pelo menos, igual, ao do teatro adulto.
Na atual gestão da prefeitura do Rio criou-se um cargo para tratar de questões relativas ao teatro para crianças. Foi um passo a mais. Prometeu-se que todos os teatros da prefeitura teriam horário reservado para teatro para crianças, o que ainda não acontece. Mas em termos gerais melhorou.
Antes disso, com raras exceções, os teatros da prefeitura do Rio ficaram quase que 8 anos sem oferecer teatro para crianças. Foi praticamente uma geração de crianças que não teve acesso a espetáculos teatrais nesses locais. Como a gente pode ter um “público adulto”, se a gente não trabalha o “público criança”?
O CBTIJ quer ser uma entidade que atenda às demandas dos artistas e das crianças. Teatro para criança não é um divertimento apenas, é uma necessidade, é um direito. A criança tem direito ao teatro. É através do teatro que a criança vivencia suas primeiras experiências, aquilo que ela imagina, que ela cria.
O CBTIJ não faz distinções de um teatro mais comercial?
A questão do comercial não é um problema para nós. O problema é a qualidade do espetáculo. O que a gente quer é que a criança seja respeitada, que o espetáculo tenha a dignidade que ela merece. Não importa que os espetáculos sejam lúdicos, históricos, didáticos ou apenas uma boa diversão. O importante é que a criança seja tratada com respeito. Por isso que evitamos usar o termo “teatro infantil”, porque a palavra “infantil” está ligada a algo pejorativo, infantilóide. Cansamos de ver anunciado, espetáculos tipo “Hee-Man e os Três Porquinhos contra o Lobo Mau” e outras barbaridades. São caça-níqueis que copiam as falas dos filmes do Walt Disney e apresentam espetáculos com fantasias de Carnaval. Essas bobagens nós combatemos e queremos ver fora do circuito. Não que a gente queira exclua essas pessoas. O que gostaríamos é que essas elas adquirissem um mínimo de consciência, que aprendessem a fazer um teatro melhor.
E elas estão vindo para entidade?
Algumas sim, outras não. É um processo longo. Não dá para avaliar ainda, porque embora o CBTIJ tenha 5 anos, é uma luta a cada dia. Ficamos muito tempo na questão da organização administrativa, ou seja, criando o estatuto, o regimento interno, procurando uma sede, tirando o alvará para essa sede, nota fiscal, cuidando da parte contábil, tudo isso toma um tempo impressionante. Tudo para poder trabalhar oficialmente.
Qualquer pessoa que atue no teatro para crianças pode se associar?
Qualquer pessoa que goste de teatro para crianças pode se associar. O CBTIJ não é uma entidade de classe. O CBTIJ responde pelo CBTIJ. É uma entidade que representa os seus associados.
Nestes 5 anos muita coisa foi feita, embora seja um trabalho invisível. O CBTIJ começou a ter visibilidade quando criamos nosso site. Foi a primeira coisa que o CBTIJ pode oferecer aos seus associados. Um local com informações em geral sobre teatro para crianças. Os associados podem colocar seus espetáculos à disposição dos interessados, de escolas, de clubes, porque sabem que os espetáculos colocados na página são de qualidade.
O segundo passo foi montar a sede, inaugurada em 28 de agosto de 2001. Será um ponto de encontro, porque é muito difícil ter uma entidade sem um local para reuniões e produção. Teremos salas de ensaios, de cursos, etc.
Mas podemos dizer que o primeiro salto do CBTIJ foi quando apresentamos ao SESC Rio de Janeiro um projeto para realizar a programação de doze unidades na capital e interior do Estado, com um circuito de espetáculos de nossos associados.
Foi um patrocínio do SESC?
Não é um patrocínio. É um convênio que o SESC fez com o CBTIJ. Apresentamos um projeto, destacando os espetáculos de nossos associados (na sua maioria com premiações e indicações). Cuidamos de todas as etapas da coordenação do projeto. Programas, banners, divulgação, transporte, etc. O SESC nos paga e repassamos aos grupos. Como o CBTIJ é uma entidade sem fins lucrativos, a formatação desse projeto sai muito mais barata, do que se eles contratassem cada espetáculo individualmente.
Outra coisa, quando você tem um espetáculo e vai oferecer para uma secretaria, uma empresa, uma fundação, no máximo, eles compram três espetáculos. Com esse projeto os grupos se apresentam dezessete vezes. Criamos uma coisa interessante: a criança que coleciona oito programas dos doze espetáculos da mostra, ganha uma camiseta. Isso faz com que as crianças guardem, queiram colecionar os cartões – que além de bonitos têm a foto do grupo e a ficha técnica. Isso faz com que a criança queira retornar ao teatro. E existem unidades do SESC que não tinham tradição de teatro para criança. E com isso começou a ter uma nova leva de crianças interessadas em freqüentar o teatro.
E os próximos projetos?
O próximo projeto que nós vamos realizar em março, juntamente com a ASSITEJ será o Seminário Internacional de Teatro para a Infância e Juventude, na qual virão diretores, produtores e artistas de vinte países. China, Rússia, Estados Unidos, Canadá e muitos países da Europa estarão representados. Haverá paralelamente ao Seminário a reunião do Comitê Executivo da ASSITEJ. Faremos um panorama do teatro feito para crianças no Brasil e no mundo, cada um falando um pouco de como é produzir esse teatro no seu país.
Em 2002, também continuaremos com a Mostra SESC CBTIJ, incluindo dezoito espetáculos – seis a mais que 2001.
Temos a intenção de realizar no Rio de Janeiro, um Festival de Teatro para Crianças e Jovens. Tanto que estou aqui justamente a convite do Fenatib para ver como é que esse Festival se estrutura. Aproveitarei várias idéias que são muito interessantes para utilizar lá no Rio de Janeiro.
Qual a sua impressão sobre o Fenatib?
Com raras exceções, os espetáculos tem um nível de qualidade bastante interessante. Uma coisa que está assim meio flagrante é que as pessoas estão esquecendo um pouco da dramaturgia. Os espetáculos são realizados a partir do que é desenvolvido pelo grupo de atores. Até o momento, apenas um espetáculo foi produzido a partir de um texto conhecido – A Viagem de um Barquinho, de Sylvia Orthof. Na média, a qualidade é muito boa.
Você sente alguma ansiedade do grupo em ser original, mesmo que o resultado não seja o melhor, nessa tendência? Eu quero ser diferente, eu quero ser criador?
Acho que como a maioria dos artistas aqui presentes pertence a um grupo, e como os grupos têm uma tendência a desenvolver um trabalho de pesquisa, talvez se sintam mais motivados trabalhando a partir do que surge nessas pesquisas, como roteiro, textos e cenas. Com exceção dos atores do espetáculo “A Viagem de um Barquinho”, cujo grupo se formou depois do espetáculo montado, os outros são grupos que já têm uma tradição, que têm desenvolvido um trabalho com uma certa continuidade, com temáticas e interesses internos, principalmente de pesquisa.
Particularmente você defende o texto do autor?
Acho importante se escolher um bom texto como base. É primordial. Se você já começa com um texto fraco, as dificuldades serão maiores. Claro que às vezes pode-se surpreender. Fui ver um espetáculo baseado num filme do Walt Disney. Fui com dez pés atrás, achando que seria ruim. Saí maravilhado do teatro, porque era muitíssimo bem feito, de muita qualidade. Realizado com muito humor, com músicas boas, atores que cantavam e dançavam maravilhosamente bem. Pura diversão, mas de muita qualidade. Eu sempre digo que fazer teatro é como fazer bolo, você pode ter a melhor farinha, o melhor ovo, o melhor açúcar, mas se a mistura não for boa, o bolo vai solar. Teatro também é assim, você pode ter um bom texto, bons atores, e o resultado pode ser não bom…
Existe uma crise na dramaturgia?
Temos muitos autores. O grande problema é a divulgação de seus textos.Tem muita gente que liga para o CBTIJ, dizendo: “tenho um texto e queria mostrar para as pessoas. Como eu faço? Vocês podem fazer isso?” – Infelizmente a gente ainda não pode fazer isso. Digo ainda, porque sei que vamos fazer no futuro. Com a formatação do nosso de banco de dados virtual termos a capacidade de armazenar 500 textos. Seria uma maneira de divulgar e disponibilizar bons textos de autores desconhecidos.
Existe uma identidade brasileira dentro da nossa dramaturgia?
O Brasil é um país muito rico em idéias. E teatro é teatro, não importa o tipo de público. No Brasil se desenvolvem fórmulas muito criativas, muito lúdicas, de se fazer teatro para crianças. Coisa que os europeus praticamente aboliram. O teatro para crianças de lá é muito sério. Estive no Festival de Lyon, vi muitos espetáculos e mais de 80% deles era muito sério, sóbrio, fechado. Eram temáticas que aqui entendemos ser para adultos e não para crianças.
Outra coisa, eles usam pouca cor. Quando eles viram as fotos dos espetáculos que estavam no folheto do CBTIJ, eles acharam tudo muito colorido. Ouvi comentários que eram até meio pejorativos.
Na Europa, o ator de teatro adulto atua em espetáculos para crianças?
Pode ser que exista, mas eu não conheço. Lá os grupos trabalham especificamente para as crianças. Aqui na América Latina, em paises como Uruguai, Argentina, faculdades e escolas profissionais têm disciplinas específicas de teatro para crianças, inclusive ensinando psicologia aplicada à infância. No Brasil, isso não existe. Eu acho que já existiu algo parecido na USP e acabou.
Muitas vezes, aqui no Brasil, fazer teatro para crianças é uma espécie de muleta para o ator brasileiro até chegar a fazer teatro adulto. É quase sempre a primeira coisa que ele faz ao sair da escola, e o faz sem a mínima preparação. Como já disse, o ideal seria estudar, mas infelizmente não é isso o que ocorre.
Uma das coisas mais importantes do Festival de Blumenau são os debates. A qualidade destes, onde se discute dramaturgia, atuação e direção. É muito útil para os grupos participantes. A análise dramatúrgica que a Maria Helena Kühner faz dos textos é muito interessante. Ela analisa situações do texto, seus resultados na montagem. Essas analises são muito reveladoras e até mesmo surpreendentes para os grupos.
A gente fala num teatro que forme, que seja pedagógico, mas num país como o Brasil que tem diferentes classes sociais, qual seria a mensagem, ou não existe essa mensagem única, integrada, pra transmitir à criança brasileira? São várias mensagens?
O CBTIJ tem outra ação, que ainda está para ser desenvolvida, que é participar de ações sociais. No Rio de Janeiro, como em outras capitais, existe a Comissão de Defesa da Criança e do Adolescente. É uma comissão que reúne todas as ONG’s da cidade do Rio de Janeiro e recebe verba de várias empresas para um trabalho em conjunto, justamente nas regiões pobres da cidade. Pelo que me foi informado, 95% das entidades que estão nesse trabalho são ONG’s assistencialistas, ou seja, preocupadas em dar alimentação, vestiário, capacitação e formação profissional às crianças. Não existe um trabalho voltado para a arte, para levar teatro a essas crianças. Acreditamos que não basta apenas dar o alimento ao corpo, temos que dar alimento à alma também, para que as essas crianças comecem a enxergar a situação em que se encontram, e acumulem senso critico e instrumentos para a mudança. O primeiro passo é levar os espetáculos, porque é muito difícil levar essas crianças para um teatro.
Não tem ninguém fazendo teatro em comunidades?
Tem algumas ONG’s que trabalham práticas teatrais, mas não levam espetáculos. Por exemplo, dentro da Comunidade Solidária, tem alguns trabalhos desse tipo, com aulas de clown, de corpo. Tem muito que fazer. Foi o que falei aqui na reunião com os grupos: a gente só fará mais se outras pessoas vierem se juntar e dividirem as tarefas. Nesses três anos que estou à frente da entidade, tem alguns momentos que a gente se pergunta: “Será que vale a pena tanto trabalho?” Acho que vale e eu não sou de desistir fácil não.
Como é a proposta do CBTIJ de formar núcleos estaduais?
O CBTIJ é uma organização nacional. Embora esteja funcionando basicamente no Rio de Janeiro. Quando toda a estrutura estiver funcionando, nós do Rio viraremos Núcleo Rio de Janeiro. Isso deverá acontecer em todos os estados. Esses núcleos vão formar a diretoria do CBTIJ, que então se transforma no CBTIJ Nacional. No momento, o Núcleo Rio de Janeiro é o CBTIJ Nacional. Tínhamos que começar por algum lugar. A partir do momento em que existirem mais de 3 Núcleos distribuídos pelo Brasil, formaremos uma diretoria nacional que começará a brigar por uma política nacional. Por enquanto, o CBTIJ briga muito mais por uma política carioca, embora a gente não deixe de atuar junto aos órgãos federais.
E já existe disposição para essa formação?
Sim, mas é uma caminhada de tartaruga. Temos alguns indícios de formação em São Paulo, em Porto Alegre, em Curitiba, e aqui em Santa Catarina. Temos associados em muitos estados, e esperamos que destes surjam as células que impulsionarão os Núcleos.
De que trata o site do CBTIJ?
Nosso site trata principalmente da história e da preservação da memória do teatro para crianças e jovens. É um site de pesquisa. Num país onde somos acusados de não ter memória, nossa preocupação é juntar o maior número de informações sobre o assunto. Não apenas dos estados do Rio e de São Paulo, mas também de outros estados, onde há muita gente boa que trabalha, trabalhou e tem uma história. Queremos que essas informações venham para o site, para que exista um local de fácil acesso. Também lá se encontram listagens de várias premiações, listagem de festivais, cursos e os espetáculos dos associados do CBTIJ. Quem tiver interesse em colaborar, visite o site, e nos escreva: www.cbtij.org.br e o e-mail é cbtij@cbtij.org.br.