Crítica publicada em O Globo – Rio Show
Por Luciana Sandroni – Rio de Janeiro – 30.08.1991

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A volta das fantasias do eterno sonhador

Um Don Quixote poético, que segue com fidelidade a obra clássica de Cervantes

Esta adaptação de Wagner Campos para a montagem de Don Quixote, no Teatro de Arena, procura ser fiel ao texto de Cervantes. O humor, a sátira e a poesia do romance aparecem em todos os momentos da peça. Campos optou por colocar um narrador em cena, para facilitar a compreensão da história, que mesmo resumida ficou com hora e meia de duração. E manteve a formalidade do tratamento na segunda pessoa, com diálogos e frases de difícil entendimento para crianças pequenas. Trata-se, portanto, de espetáculos para meninos e meninas maiores. Os menores podem até divertir-se com a movimentação, mas a duração da peça talvez seja excessiva.

A direção de Cláudio Torres Gonzaga, também responsável pelo cenário, sustenta o clima poético durante todo o tempo. E acentua sua condição de espetáculo juvenil: Dom Quixote e Sancho Pança vivem várias aventuras, exigindo a atenção do público para assimilar e entender novas situações e personagens. A movimentação é realçada pela cenografia inteiramente despojada, com o palco praticamente vazio, onde os heróis atuam montados em seus “cavalos” uma patinete e um velocípede devidamente incrementados. Esta formula cênica acentua a loucura de Don Quixote, mas a certa altura o público já está conquistado.

O bom desempenho do ator Almir Martins no papel do Quixote valoriza o espetáculo. Ele tem o “physique du rôle” adequado e passa ao público toda a poesia, loucura e ingenuidade do personagem na dose exata. Demonstra ser o ator puro, ao desempenhar com brilho e firmeza personagens tão complexo. Marcelo Salgado também compõe um Sancho Pança engraçado; outra presença marcante é a de Jaime Leibovich, no papel de Cervantes, o narrador da história. O elenco ainda conta com mais de dez atores e atrizes que se desdobram em 52 papéis.

Os figurinos, de rosa Magalhães, simples e bem caracterizados, colaboram na reconstituição da época. As músicas, também de Wagner Campos, são inspiradas em canções dos tempos da cavalaria e funcionam bem nas cenas de lutas e das festas nas hospedarias.

Don Quixote é peça que vale a pena ser vista por crianças e adultos: os primeiros vão ter o prazer de conhecer personagens com visão do Mundo tão parecida com a deles; os segundos terão ocasião de relembrar as aventuras do cavaleiro da triste figura.