O diretor Ernesto Piccolo leva seus 60 atores para o palco, onde predomina o humor absurdo. Foto Bruno Veiga

Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 07.12.1997

Ficção científica para todos

Quem poderia imaginar que o cinema trash de Ed Wood poderia se misturar ao teatro rebolado de Walter Pinto? Certamente o autor Rogério Blat, com a total conivência do diretor Ernesto Piccolo. Os autores do projeto Rio Enquanto é Tempo, que já declaram seu amor à cidade nas peças Funke-se, Com o Rio na Barriga, O Passado a Limpo e O Futuro era Hoje – todas em cartaz no Teatro da Casa de Cultura Laura Alvim -, ampliam este amor ao país inteiro com um novo espetáculo, o DNA Brasil. O science fiction, nascido e criado na Praça Onze, no Centro de Artes Calouste Gulbenkian, chega a Ipanema com ares de Ovni, mas já faz contatos imediatos com sua plateia, que embarca nessa viagem intergaláctica sem a menor cerimônia.

O texto de Rogério Blat mais uma vez subverte a ordem das narrativas banais e traz ao palco uma profusão de conflitos que tem sua saída no humor absurdo. Tudo começa no Instituto Brasileiro de Relações Interplanetárias (Ibri), onde, com a ajuda de seres extraterrestres, alguns pesquisadores viajam pelo tempo para recolher o DNA de brasileiros ilustres, que será usado num projeto de manipulação genética para que seja criado o “brasileiro perfeito”. Sua missão, quase impossível: transformar o Brasil num país melhor. Esse “herói” deve ser um mix de Pelé, Tiradentes, Zumbi dos palmares, Darcy Ribeiro, Betinho, Tom Jobim, Pe. Cícero, e, é claro, dona Antônia Blat, mãe do autor.

Ao som de múltiplos ritmos, Blat entrega à direção de Piccolo um revistão bem-acabado onde não falta nem mesmo Carmem Miranda, entre outros balangandãs musicais. Piccolo, mais uma vez fazendo questão de botar no palco 60 atores – ele diz que faria isso num monólogo – cria, o espetáculo quadro a quadro sem espaço para “defeitos especiais”. Exatamente como fazem os trapezistas que dependem uns dos outros para sobrar na lona. No caso, o afiado elenco se deixa guiar sem censura pelo diretor com belíssimo resultado. O destaque da performance fica com o núcleo central da trama, entre eles. Natálio Maria, como o comandante Amado, e Elaine Rios, a mãe escolhida do brasileiro perfeito.

O espetáculo, com ficha técnica de primeira, tem música dançante de Charles Khan e Guilherme Hermolin, completamente afinada com as coreografias de Suelly Guerra. Os figurinos – são 250 trajes – têm a assinatura da irrepreensível Kalma Murtinho e os adereços cenográficos ficam por conta da criatividade de Analu Prestes. Completando o cast, Paulo César Medeiros cria a luz do espetáculo, botando em cena naves espaciais que se deslocam do teto do teatro. Quando a técnica emperra, fica melhor ainda. Roger Corman aprovaria sem restrições.

DNA Brasil é um espetáculo para os fãs da ficção científica, dos musicais, do teatro de mensagens, do humor, da brincadeira teatral e do teatro de verdade. Vem que tem pra todo mundo.

Cotação: 3 estrelas (Ótimo)