Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 19.07.1997
Um espetáculo de surpresas
O Teatro Bibi Ferreira, inaugurado há pelo menos dois anos, é um desses espaços que criaram fama onde vale a afirmativa não fui e não gostei. A maldição do anonimato se dá muito mais pelo repertório pelas condições que o espaço oferece. Situado num antigo sobrado da Visconde de Ouro Preto, em Botafogo, o teatro é uma grande surpresa para quem o visita pela primeira vez. Montada com muito cuidado por Eduardo Cabus, está à disposição do público uma sala aconchegante, bem iluminada e super refrigerada, onde o pequeno tablado ladeado por confortáveis poltronas de vime é o palco com boa visão para o espectador. Assim, a ideia de ficar repetindo aquilo não é um teatro, sem jamais ter aparecido lá, cai em desuso de imediato.
Coincidentemente, Waltinho Antunes, autor e diretor de A Comédia da Bicharada, em cartaz no Teatro Bibi Ferreira, também é um encenador que ocorre na contramão da fama. Ligado por muito tempo ao circuito alternativo das peças de gosto duvidoso, provavelmente também ganhou o selo de qualidade isto não é teatro.
Enfim, tudo se acerta. A Comédia da Bicharada é um espetáculo de surpresas. Criada no mais puro estilo commédia dell’arte de comunicação direta, a peça feita a partir das fábulas de Esopo, apresenta no palco dois atores – Waltinho Antunes e Carine Teixeira, a se multiplicarem em diversos papéis. Seguindo a proposta das fábulas que usam a figura do bicho para educar o homem, são encenadas, entre outras histórias, A Cigarra e a Formiga, O Coelho e a Tartaruga, A Raposa e as Uvas e O Corvo e a Raposa.
Para encenar essas moralidades, os atores se valem de um cenário muito simples. No palco, uma carroça cenográfica abriga todo o material que vai ser usado para que as fábulas se contem. Criado mais como adereços, os figurinos de Paulo Kandura ilustram a cena sem muitas pretensões. Também na linha de apoio indispensável, a preparação corporal de Anacleto Carindé é de grande ajuda na composição dos personagens. Pelo menos desta vez, quando o homem vira bicho, sua postura não vem acompanhada dos abomináveis pulinhos, tão comuns no teatro infantil de má qualidade.
Mesmo com muitos acertos, o espetáculo tem alguns equívocos, ainda que desculpáveis. Em algumas fábulas menos conhecidas a moral chega ao palco truncada. Felizmente, a plateia reage e sem nenhum pudor denuncia a trama em favor do personagem. Um caso de teatro interativo, sem o tão famoso apelo participativo que acaba confundindo comunicação com histeria.
A Comédia da Bicharada é um espetáculo sem muitas invenções, com vários atributos para conquistar uma nova plateia. Principalmente a plateia sem preconceitos.
Cotação: 2 estrelas (Bom)