Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone, Rio de Janeiro – 14.09.1991

Barra

A Realidade fora de Compasso

O Teatro de participação dos anos 70 sacudia literalmente a plateia. Esmagado pela censura com enormes cortes no texto, apostava tudo na ação como que num apelo para que a plateia tomasse uma atitude para com a situação vigente. Imperava o coletivismo, nasciam as comunidades alternativas “onde tudo era de todos”, proliferavam os grupos teatrais, mesmo porque se acreditava no “somos todos atores”.

Caxuxa – Estórias e Sonhos, em cartaz no teatro da Cidade, mostra um pouco o que restou de tudo isso. Dessa maneira, o espectador chega ao teatro e é imediatamente abordado pelos atores, encarnando supostamente os meninos de rua que ficam pedindo um dinheirinho. Esse embate público/personagem, não se sabe se uma proposta do texto de Ronaldo Ciambroni ou da direção de Fernando Guerreiro, se configura completamente defasado na realidade atual. Uma visita ao centro da cidade, ou mesmo uma paradinha nos sinais de trânsito, mostraria a um ou a outro que a garotada da rua assimilou rapidamente a crise econômica total e, em vez de esmolarem, eles vendem – chocolates, tangerina, caixa de morangos, lenços de papel ou chiclete – diferindo o preço de acordo com a cara e o carro do freguês, ou mesmo o adiantado da hora.

No palco, porém, tudo se modifica. Cada um tem sua atividade, umas mais definidas do que as outras, mas isso não é importante, já que a proposta é mostrar o sonho de cada um. É a í que a coisa se complica. Por mais heterogênea que seja a freguesia da flanelinha Caxuxa do Cobertor, quem poderia imaginar que o sonho de uma menina dos anos 90 se realizasse ao se ver transformada em Carmem Miranda, morando em Hollywood? Já o nordestino Zé da Gaita almeja voltar para o sertão – sem calango, seca e outras intempéries – mas um lugar bucólico com vaquinhas e cabrutinhos. O resto da garotada chega mais perto da realidade plausível. Assim, o personagem Saco, acostumado a se resguardar do frio com os jornais cheios de letrinhas, sonha em aprender a ler. Graxa, de tanto polir sapatos, quer encontrar sua própria estrela e Caramujo, empurrando sua carrocinha, só quer ter um caminhão e sair pelo mundo.

Se o texto de Ciambroni é confuso, a direção de Fernando Guerreiro se valeu do fôlego dos atores que cantam, dançam e representam sem o artifício do play back. A coreografia de Dil Costa dá movimento e ritmo ao espetáculo, chegando muito perto da estética dos shows, para delírio do público infantil. Ao final, uma farta distribuição de brindes, viagens, hambúrgueres e batatinhas fritas. É à volta do teatro de participação sob nova ótica, um revival dos anos 70. E as crianças adoram.

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