Critica publicada na Revista Fatos
Por Tânia Brandão – Rio de Janeiro – 28.10.1985

Barra

Irmãos Azevedo ainda fazem rir

O Comendador (Ernani Moraes), doido para ter netinhos, decide casar a jovem Júlia (Denise Fraga), bem-dotada, com o rapagão mais saudável que aparecer, um pretendente que seja no físico mesmo um bom reprodutor. Homem letrado, inebriado pela ciência, o Comendador leu obras especializadas para fixar seus critérios de seleção e tenta aplicá-los em toda oportunidade que aparece. A sua maior paixão é a fisiologia. A sua vida, uma sopa de letras em que conceitos apressados e realidades miúdas se misturam. Ele fica, então, tolamente confuso diante da necessidade de esclarecer se a saúde vem de um título – como capitão – ou do próprio físico de cada um. Como os demais personagens também são tolos, a peça é uma obra-prima no exercício do truque do engano de pessoa (identidades trocadas). Cada um toma o outro por um outro e quase que acabam todos no hospício do Doutor Fortes (Henri Pagnoncelli). Ninguém se entende, numa cascata sensacional de efeitos. O texto é obrigatório.

Em cena, tipos cômicos mais do que bem acabados, urdidos com maestria pela notável dupla dinâmica do Maranhão naturalista, Arthur e Aluízio de Azevedo, belos discípulos de Zola. Pelo menos neste texto. Na melhor tradição de Molière, os personagens são precisos para indicar o automatismo cotidiano das gentes, o momento em que as gentes se deixam aprisionar por ideias miúdas e esquecem definitivamente de pensar, soltar a cabeça. Não há como não rir, pois tudo foi feito para isto, como os vaudevilles do fim do século. Casa de Orates é uma casa onde ninguém se entende, cada um encerrado em suas mais pobres obsessões, verdades ou desejos pequenos, num vendaval de equívocos tão ridículos como a troca das portas.

Na direção, Eduardo Tolentino faz um exercício minucioso de carpintaria. Procurou sintonizar, tematicamente, a mania de saúde do Comendador com a mania atual de saúde, abacaxi e malhação. Esta opção justifica alguns pequenos exageros de tom ao longo da montagem, na linha de caricatura que é peculiar ao Grupo Tapa, sob a direção de seu principal líder. Estes pequenos exageros distanciam a cena, revelando-a como coisa do passado, para que afinal ironicamente se insinue que a vida não mudou tanto assim. Continuamos a ser um punhado de tontos.

É programa imperdível para quem gosta de teatro e sobretudo para o público-eleito, os estudantes, aos quais a montagem se destina. É teatro para estudantes com alto nível de produção. Os atores estão fantásticos, mesmo os mais inexperientes, como a muito jovem Denise Fraga, ótima atriz. Os mais experientes, a maioria veterana no grupo, dão show. Vez por outra chegam quase ao exagero, beiram o overacting. Os cenários, excelentes, brincam maliciosamente com a ideia de que o palco é, afinal, uma caixa. São assinados por Ricardo Ferreira e Olinto Mendes de Sá, cenógrafos permanentes do grupo. Malícia da mesma família percorre os figurinos, de Lola Tolentino, preocupados com uma certa reconstituição de época levemente teatral.

O Grupo Tapa, do Projeto-Escola (indicação para o Troféu Mambembe-85), é responsável por este Festival de Teatro Brasileiro, que ofereceu à plateia estudantil também encenações de O Noviço, de Martins Penna, e de Caiu o Ministério, de França Júnior. O espetáculo que agora entra em cartaz explora todos os elementos do texto enquanto vaudeville e brincadeira, até mesmo na música, em contraponto com a época, forte apoio para a linha do diretor, que é, no fundo, a de revelar à plateia que nós, humanos, ao som de rock ou de polca, vivemos correndo o risco de ser tontos, joões-bobos como o Comendador.