A Casa da Madrinha, que sai de cartaz, é o último espetáculo de Luís Carlos Ripper, morto em dezembro de 96
Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 22.02.1997
Histórias da Casa da Madrinha
Hoje às 17h, no palco do Teatro Princesa Isabel, o Grupo Hombu estará encerrando as apresentações de A Casa da Madrinha, último espetáculo do diretor Luís Carlos Ripper, morto em dezembro de 1996. O acontecimento que poderia ser só mais um evento teatral chega á cena cheio de histórias para contar.
O encontro do Hombu com Ripper aconteceu em 1974. No espaço teatral do Museu de Arte Moderna (MAM), Ripper apresentava sua peça Avatar, que daria o prêmio Molière a atriz Iara Amaral. No sofisticado cenário do diretor, o palco era recoberto de pedrinhas. Um tormento para o pessoal do Hombu, que, de pés descalços – e na época ainda fazendo parte do grupo Ventoforte de Ilo Krugli -, encenava Histórias de Lenços e Ventos. Beto Coimbra, um dos diretores do Hombu, lembra com saudades como eles xingavam Ripper ao final de cada encenação.
Tirada a pedra do caminho, Hombu e Ripper se encontraram muitas vezes, pelo país afora. O diretor e cenógrafo projetando espaços teatrais e o grupo dando suas oficinas de interpretação. Num desses últimos encontros, há três anos, foi montada A Casa da Madrinha, espetáculo que deu a Luís Carlos Ripper seu primeiro prêmio como diretor (Mambembe 1995). Eles estavam no Amapá, onde, diz Beto Coimbra, existem 17 grupos teatrais e um só, e luxuosíssimo teatro, aberto apenas para apresentações de peças do eixo Rio-São Paulo. “O Ripper enlouqueceu quando viu o teatro”, conta Beto, “ele achava um absurdo o dinheiro gasto naquele elefante branco. Um dinheiro que daria para construir 17 teatros e conchas acústicas com material da terra, como os arcos de bambu que ele usou no cenário de A Casa da Madrinha“.
Mas se a construção dos novos espaços mais uma vez ficou só no projeto – devido, talvez, a mais uma mudança no Ministério da Cultura -, nasceu desse encontro um grande espetáculo. É Beto Coimbra quem conta: “Eu estava procurando um diretor para A Casa da Madrinha, sem perceber que ele estava ali ao meu lado. Nós escolhemos o Ripper, porque a linguagem cênica dele tem tudo a ver com a nossa. Mesmo sua linguagem cenográfica é muito parecida. Trabalhar com ele foi maravilhoso e hoje o que a gente sente é a saudade. Era um diretor rigorosíssimo, no ensaio geral de A Casa da Madrinha ficamos no palco 14 horas seguidas e ele não se cansava.”
A temporada que termina neste fim de semana não encerra os trabalhos do Hombu com Luís Carlos Ripper. A Casa do Hombu – a sede do grupo na Rua da Carioca – é um projeto de Ripper, conta Beto Coimbra. “Nosso teatro vai ter o nome dele”. Temos também um projeto que ele imaginava para Guaratiba. O Ripper achava que tinha que construir um teatro numa aldeia de pescadores, porque os nomes técnicos dos elementos que fazem o palco funcionar são muito semelhantes aos da navegação. As cordas e os nós também são muito parecidos.”
No espetáculo de hoje, esse esforço pode ser reconhecido. A Casa da Madrinha tem texto original de Lygia Bogunga, com adaptação para o palco de Eloy Araújo. A história é a do menino Alexandre, que, cansado da vida dura em família, resolve ir em busca da Casa da Madrinha, um lugar imaginado das histórias que seu irmão lhe contava. No caminho, encontra um pavão com uma torneirinha instalada na cabeça, de onde jorram sábios pensamentos e asneiras monumentais. Com humor rascante, o espetáculo mostra o ridículo das relações autoritárias e a felicidade dos que ousaram quebrar as regras.
O espetáculo, além do prêmio mambembe de direção para Luís Carlos Ripper, rendeu o de melhor atriz para Silvia Aderne (o Mambembe e o Coca-Cola de 1995). Também recebeu o prêmio Coca-Cola a trilha musical de Ian Guest, Ronaldo Mota e Beto Coimbra, que nessa estreia assinava Roberto Coimbra por um toque do seu diretor. Depois dos 30, dizia Ripper, “ninguém é Beto, agora você é Roberto, meu amigo”. A homenagem está no palco.
