O espetáculo infantil mostra,nos jardins do Museu da República as histórias e as lendas dos tempos medievais, dentro de uma antiga feira livre

Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 13.11.1993

 

Barra

Um alegre passeio ao século 13

A ideia é boa. Ao cruzar os portões de ferro dos jardins do Museu da República, o espectador recebe como ingresso uma bolsinha de malha com uma moeda fake. O passaporte leva direto ao século 13, onde está acontecendo a comemoração da chegada da primavera. Na ânsia turística de ver tudo ao mesmo tempo, o viajante se espalha pelos cenários como um tímido protagonista. Porém, sua chance de astro por um dia dura pouco. Vai realmente começar o espetáculo, e nele o público é público, e sem cadeiras na plateia.

O espetáculo itinerante Calendas de Primavera, com texto de Márcia Duvalle, inspirado em pesquisa de época de Álvaro Sá, recria uma feira medieval, com suas barracas de tecidos, carnes, queijos e vinhos. Os bem-caracterizados comerciantes anunciam seus produtos ao mesmo tempo em que se conta a história. E aí está o problema. Qual história? Do teatro, dos peregrinos, dos comerciantes, dos amantes, do poeta, do enforcado, do rei e da rainha… São imagens belíssimas que se sucedem numa profusão de situações e ambientes, capaz de confundir o mais atento dos espectadores. Acostumados a assistir de poltrona a enredos com começo, meio e fim, o público estranha a peregrinação e perde bons momentos nos 100 minutos em que percorre a montagem. Dirigindo seu próprio texto, Márcia Duvalle, compreensivelmente, teve dificuldades em enxugar ou mesmo cortar algumas cenas, já que estas, mesmo excessivas, se apresentam plasticamente perfeitas.

Em contrapartida ao despreparo físico do público, há que se louvar o fôlego dos atores. Duplicando diversos, não deixam cair o ritmo em momento algum. Marcos Acher faz o vendedor de carnes com humor construído nos mínimos gestos, Ivan Alves, na banca de tecidos, delícia a plateia improvisando modelos de acordo com o freguês. Cristine Pereira é uma boa surpresa na frágil mocinha das promessas, enquanto Cristine Braga faz com perfeição sua Morgana.

De grande impacto, os cenários de Lídia Kosovisky reproduzem uma feira medieval com todas as suas delícias. A imensa caixa teatral, para a encenação final do Auto do caramanchão, é cheia de detalhes. Fechada a maior parte do tempo, ela acaba, quando usada, por se revelar um achado de criatividade. Os figurinos de Ney Madeira mais uma vez correspondem ao que se espera de um mestre da delicada inventividade com os mais diversos materiais.

Calendas de Primavera é um bem-acabado espetáculo que, contrariando as normas do teatro, poderia ser assistido em várias etapas. Uma vez só não basta para que o distinto público assimile tanta informação, participe da festa e capte por inteiro o encantamento da encenação. Vale a pena ver de novo.

Calendas de Primavera está em cartaz nos jardins do Museu da República, no Catete.

Cotação: 2 estrelas (Bom)