Critica publicada na Revista Fatos
Por Tânia Brandão – Rio de Janeiro – 1985

Barra

O prazer de rir do poder

O texto é avô da revista e filho daquela arte requintada, de diálogos e situações humorados, do melhor Martins Penna. Se na sua alma se esconde um esfuziante secundarista, programe uma gazeta no Teatro Ipanema. No palco e na plateia, o espetáculo é a juventude do país, com o jovem Grupo Tapa apresentando, para estudantes, um grande clássico da nossa dramaturgia, uma das obras-primas da comédia de costumes brasileira. Provavelmente França Júnior (1838-1890) foi nosso melhor discípulo de Molière. Era baiano e bacharel, criou-se entre o Rio e São Paulo, onde estudou. Talvez fosse monarquista, ao menos de coração, pois era amigo pessoal de um dos príncipes, D. Pedro Augusto. Captou com vigor e brilho o espírito de seu tempo, dizem muitos analistas. Lá está o jovem Brasil dos tempos finais do Império sob uma ótica de moralidade ingênua, aristotélico-platônica, como se o mundo fosse uma máquina de fazer rir para chegar à perfeição. O texto é ótimo.

Através deste texto, concebido numa época em que o Brasil vivia uma febre de teatro, os alunos podem estudar português, história, economia, política, filosofia e até física e matemática e é uma ótima dica para professores criativos, portanto. O objetivo do Projeto Escola do Grupo Tapa é este. E mais: é para debater teatro também.

Celso Lemos, um dos atores mais experientes do grupo, está estreando na direção. Revela o mesmo prazer que é marca do grupo, de trabalhar profundamente o sentido do texto. Mas tenta, sem muito sucesso, investir numa linha de distanciamento e irreverência que o grupo sempre busca quando sob a direção de seu principal líder, Eduardo Tolentino. A irreverência violenta o desejo de candura do texto, soa artificial. Além disso, faltou firmeza na direção de ator. Assim, alguns dos atores mais experientes do grupo sofriam, na estréia, para defender soluções fortes para uma trama delicada. Brian Penido (Doutor Mosteirinho), Renato Icarahy (Plulipe Flexa), Cláudio Gaya (Mr James). Vera Holtz (Bárbara Coelho), Henri Pagnoncelli (Conselheiro Felício de Brito) Denise Fraga (Mariquinhas) têm as melhores interpretações, mais sintonizadas com a linha do texto, na primeira apresentação. São questões de afinação.

Em cena, seguindo o espírito do autor, está até o Sarney. A ação vista é uma revolução como proposta de cena no século passado, começa na Rua do Ouvidor, por onde passava boa parte da vida nacional. Já naquele tempo, a política servia mais para parar a vida do que para organizá-la e os estrangeiros deliravam diante do paraíso de liberdade que o indivíduo gozava aqui, já que a ética era apenas um maneirismo volúvel ocasional. O poder, o bem viver, a preguiça louca, a retórica oca, os bacharéis, apadrinhados, as mocinhas dotadas, a caipirice, a incompetência, a macaquice diante do estrangeiro eram já atributos típicos do jogo do poder. É para adolescentes, mas é raro ver um autor nacional tão hábil e tão irreverente em cena hoje. É uma supermontagem, com grande elenco. O cenário, que devia ser barato, é de uma inteligência exemplar. Assinado por Ricardo Ferreira e Olinto Mendes de Sá, tem o sentido da cenografia como urdimento e truque. Se a sua alma não perdeu o gosto ético original da juventude, vá ver como já era este país em 1882, mesmo que por aqui então ecoasse a retórica abolicionista. Você vai perceber como foram profundas, entre nós, as derrotas do pensamento liberal, um passatempo interessante para uma época de reforma agrária e de assembleia constituinte.

Serviço:
Caiu o Ministério. De França Júnior. Direção de Celso Lemos. Com Cláudio Gaya e Grupo Tapa. Teatro Ipanema. Rio. Horário alternativo