Crítica publicada no Jornal do Brasil
Por Flora Sussekind – Rio de Janeiro – 19.08.1983
A Bruxinha que não era Punk
A princípio, quando se lê ou se assiste A Bruxinha que era Boa, a impressão que se tem é de um texto que mais uma vez colocasse em choque maldade e bondade, fadas e bruxas. Uma segunda olhada, no entanto, no texto de Maria Clara Machado dá novos contornos a estas oposições. Quando se encara bem Bruxo Belzebu, o Vice Bruxo e a Bruxa Instrutora quem a gente vê? Diretores, coordenadores e professores chatos. E Caolha? A aluna sabe-tudo, chatinha e óbvia.
E Fredegunda, Fedelha e Fedorosa? Três projetos de Caolha, e igualmente puxa-sacos. E a Bruxinha Ângela? Ao contrário das outras, aquela menina atrapalhada, sem muita paciência com as regras escolares ou os prêmios avidamente disputados pelas demais bruxinhas-alunas. O cenário da peça de Maria Clara é uma floresta, seus personagens bruxas, mas quem parece servir-lhes de ponto é uma instituição escolar “caolha”, cheia de hierarquias, notas e prêmios, sempre representada de modo irônico na dramaturgia de Clara, onde os personagens centrais são sempre aqueles que, de uma forma ou de outra, escapam de instituições como essa. Este é o caso da Bruxinha Ângela. Ela é a “bruxa boa” não por ser boazinha e dócil, mas pelo seu próprio caráter de enfant terrible, doce, mas indócil.
A direção de Toninho Lopes esquece este lado terrível da Bruxinha Ângela e a caracteriza apenas pelo lado doce. Em oposição marcante com o figurino e a maquilagem punk-tétrica das demais bruxas, Ângela está de cor de rosa e sem peruca. E uma peça, como a de Clara, que se propõe a discutir ficcionalmente os procedimentos habituais de exclusão de instituições como a escola, acaba veiculando outra exclusão: a do punk. Não que a adoção de um clima punk no espetáculo não tenha bons resultados cênicos. Tem sim. Visualmente proporciona bons momentos. Mas por que as bruxas-punk não podem ser bonitas? Por que o exagero das perucas? Talvez porque oriundo das camadas pobres da população, o estilo punk tenha ganho na zona sul carioca uma estranha marca de feiura, cafonice. Quando uma bruxinha Ângela nada punk entra em cena, fica clara a rejeição das demais. Sem querer, a direção transfere para as outras o terrível, a desobediência, os sustos que deveriam caracterizar justamente o comportamento de Ângela, nesta montagem bem comportada demais, iconoclasta de menos.
Punk is Beautiful à parte, Toninho Lopes cresceu muito como diretor de O Embarque de Noé para A Bruxinha que era Boa. O espetáculo agora em cartaz no Teatro do SENAC tem mais ritmo, mais leveza, utiliza muito bem os truques de som e a bela música de Ubirajara Cabral, a coreografia de Miriam Müller e Maria Odete Gatier aproveita da melhor maneira o exíguo espaço cênico e a iluminação de Cláudio Neves está mais uma vez impecável. Excelentes igualmente, dentro do perfil traçado pela direção para os seus personagens, os desempenhos de Cássia Foureaux, Rubens Camelo e Ana Luísa Lacombe. E o resultado geral do espetáculo é muito bom, fora alguns “senões” ideológicos, e o aproveitamento excessivo apenas do primeiro plano do palco. No mais, uma direção limpa, segura e inteligente de Toninho Lopes para A Bruxinha que era Boa.