Lúcio Mauro Filho e Bel Garcia protagonistas de Branca de Neve
Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 28.08.1997
Branca de Neve bem embalada
O fascínio que os contos de fadas exercem sobre os encenadores é ilimitável. Às vezes eles chegam ao palco como um estudo profundo do seu psicologismo, outros numa versão modernosa do clássico, outras, lamentavelmente, como um caça níquel a contar uma estória requentada, Branca como a Neve, com direção de Marcelo Vale e Marcelo Serrado, em cartaz no Teatro II do Centro Cultural do Banco do Brasil, não se enquadra em nenhuma classificação acima citada. Sem apostar nos signos mágicos do original, ou se afastar tanto do enredo que torne a história irreconhecível, o espetáculo é um mix teatral, com um pouco da trama conhecida acrescida de novos personagens, um pouco de música e dança, algumas inserções de humor e um texto quilométrico, que não deixa o espectador esquecer que está no teatro.
Talvez seja esta a intenção. Os dois encenadores vêm de trabalhos muito autorais, e com certeza não usariam o palco para contar mais uma história convencional. Assim o que está em cena, é o teatro em busca de uma nova linguagem. Se nessa busca algo do entretenimento. Se perde, é importante ressaltar que a intenção é das mais louváveis. Mas também é bom concluir que nem só de boas intenções pode viver o teatro. O salto é sem rede.
O original dos irmãos Grimm ganha nessa versão de Marcelo Vale dois personagens que conduzem a trama. Os primos Victor e Vitória não conseguem dormir e resolvem visitar um teatro que fica ao lado da casa deles. Para contar a história de Branca de Neve, Vitória embarca na trama, enquanto Victor se dividindo em muitos papeis, como o caçador, o príncipe e um pato, é um personagem de ligação entre palco e plateia. Aquele que não deixa o público esquecer onde tudo está realmente acontecendo. No teatro.
Se a estratégia não é das mais digestivas, a embalagem que a dupla de diretores concebe para o espetáculo é irretocável. Os cenários de Sérgio Marimba são uma tração à parte. Todos feitos de tecidos, os módulos que sobem e descem do urdimento do teatro, criam múltiplos ambientes sem que o espectador fique atento a qualquer movimento de maquinaria. Os figurinos de Charles Molder e os adereços de Othon Spenner completam a cena com a mesma criatividade, ainda na técnica, a precisa luz de Aurélio de Simoni.
Em sintonia com a proposta da direção, o elenco cumpre seus papéis em boas composições, mesmo que elas tenham um tom desigual no conjunto. A impressão que se tem é de um espetáculo criado por partes. Bel Garcia, a rainha, e Marcelo Olinto, o espelho, seguem a linha mais distanciada dos personagens, como se compusessem papéis solo. Os anões – Jorge Maya, Isabel Muniz Lira, Márcia Morelli, Danusa Depes Portas, Alexandre Akerman e Paula Saboya, sob o comando da direção de movimento de Beth Martins, apostam tudo no clown dos personagens e formam um grupo a parte na encenação, Letícia Monte, num papel mais realista, é mais um contraponto para o humor de Lúcio Mauro Filho.
Aliás, é interessante notar em cena os indirigíveis Jorge Maya e Lúcio Mauro Filho. Donos de personalidades fortes e representação muito pessoal, os atores dessa vez acertam mesmo no over acting e fazem a comunicação com a plateia. Um toque descomportado na direção marcada do polêmico, que conquista o público infantil e deixa os adultos a se perguntarem por quê. Vão ficar sem resposta. O espetáculo é para as crianças.
Cotação: 2 estrelas (Bom)
