Usando muito bem o espaço do Parque Lage, o espetáculo causa impacto

Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 15.03.1997

 

Barra

A viagem mágica que deu certo

O surto interpretativo dos de fadas surgidos nos anos 60/70 inclui Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carrol, no mesmo hall of fame de Chapeuzinho Vermelho, vista pelos teóricos como “um rito de passagem”, Cinderela, “a ascensão social através da figura masculina”, e Peter Pan, “O medo de crescer”. Para Alice sobrou “o desejo da descoberta”.

Alice, em cena nos jardins do Parque Lage, com adaptação e direção de Christiane Jatahy, quase cai na cilada de ser também uma análise profunda sobre o “medo do desconhecido”. Ainda bem que não consegue. O enredo, por si só bastante interessante, salva o público infantil de mais uma peça cabeça, feita para júri e crítica, uma grife do teatro dos anos 90. Usando muito bem o espaço do Parque Lage, Cristiane e seus 30 atores em cena promovem um espetáculo de impacto já na chegada. No meio do jardim, uma enorme instalação coberta por uma lona anuncia que quase tudo vai acontecer por ali. Espantalhos pelas escadas e muros mais próximos dos espectadores que, mesmo sem perceber, ficam dentro da história.

Seguindo um roteiro muito próximo do original, a peça começa com Alice entrando pela passagem secreta de seu jardim, onde cumpre o ritual de crescer e diminuir (o truque usado é bem convincente) até finalmente entrar nos domínios da Rainha de Copas.

Tudo que poderia acontecer no mesmo lugar, no entanto, é deslocado para a parte lateral do prédio principal do parque Lage. Aí as coisas se complicam. Não por falta de criatividade, mas pela falta de sua realização.

Na cena da lagarta que fuma ópio, em que Alice tem que escolher que lado do cogumelo comer para crescer ou diminuir, o grande atrativo fica com o ator/pássaro que voa sobre a cabeça da plateia. Ficando o resto da ação totalmente comprometido pelo público que se dispersa, por não escutar o texto e nem enxergar o que acontece no plano mais baixo.

As demais cenas desse teatro itinerante, com exceção do chá da Lebre Louca é do Chapeleiro Maluco – onde são usados truques de mágicas bastantes interessantes -, também ocupam um espaço muito acidentado para serem vistas e apreciadas como mereciam. A volta ao ponto de partida é recompensada pela cena final do julgamento de Alice, onde a diretora usa todos os seus trunfos para realizar um teatro de plasticidade perfeita. Outro grande trunfo do espetáculo fica com Marina Bezze, interpretando a protagonista com uma graça muito especial, e de um humor bem construído. Para esta menina não cabe o bordão popular “acorda Alice”. Ela já está bem desperta.

O espetáculo tem adereços cenográficos muito bem colocados, assinados por Marcelo Lipiani. Também de bastante apelo visual, os figurinos de Samuel Abrantes chegam ao público na medida exata, já que foram elaborados para serem vistos de muito longe ou de muito perto. O restante da quilométrica ficha técnica inclui músicas de Moreno Veloso e Domenico Lancelote, bem utilizadas no prólogo, efeitos de técnica de voo e coreografias acrobáticas de Renato Coelho, coreografia em perna-de pau de Alberto Magalhães, um dos Irmãos Brothers, e ainda coreografia em corda indiana de Juliana Vaz. Uma produção e tanto.

Com todos os percalços da pós-estreia, a maldição do segundo dia do espetáculo, Alice ainda tem algumas passagens, mesmo que muito bonitas, um pouco lentas, mas que sem dúvida nenhuma rapidamente vão ser acertadas. Bons tempos trazem de volta a plateia lotada ao teatro, ou melhor, ao parque.

Cotação: 2 estrelas (Bom)