Entrevista publicada no Site Scene 4
Por Andrea Carvalho – Rio de Janeiro – Fev 2004
Pensar o teatro brasileiro no novo século ainda é tarefa de um certo esforço crítico e de observação. Para começar, podemos recorrer a alguns anos atrás e encontrar um ponto de partida de um novo ciclo histórico, ou considerar trabalhos de diretores, atores e dramaturgos que estão em atividade por um longo tempo. O que mudou? O que vem depois? O que está aqui? Sabato Magaldi (membro da Academia Brasileira de Letras, um dos mais respeitados críticos teatrais brasileiros, em atividade há mais de 50 anos) nos fins de 2002, disse ao final de uma palestra: “a gente tem que ser otimista com relação ao teatro brasileiro porque, em meio século, afinal de contas, ele teve um progresso extraordinário.” Ufa! Que alívio! Para quem trabalha no dia-a-dia das produções, meio a coros de reclamações e resignações, parece que os problemas são os mesmos, que nada mudou.
O financiamento de projetos de teatro é o primeiro desafio que as produções teatrais têm de superar, e muitas das vezes não conseguem. No momento atual, temos uma grande congregação de artistas em grupos ou em companhias teatrais sustentada com recursos dos seus próprios membros. Diversos grupos têm se organizado para ações de política cultural para o teatro pois sem subvenções financeiras ou patrocínios, uma peça pode ter vida curta, dificilmente sobrevive por muito tempo somente com o lucro de sua bilheteria. É interessante pensar os modos de produção do teatro brasileiro atualmente, mas a criação é uma história totalmente diferente, a mais excitante e ilimitada. Conversamos com três artistas brasileiros de teatro, especificamente atuando na cidade do Rio de Janeiro: Paulo de Moraes, Ana Kfouri, e Antonio Carlos Bernardes. É claro que eles não representam a totalidade da multiplicidade e variedade em um país tão extenso, mas representam realmente uma experiência artística de vida no teatro brasileiro hoje.
Antonio Carlos Bernardes é diretor de teatro, ator, produtor e no momento está dedicado ao teatro para crianças como produtor e como Conselheiro administrativo do CBTIJ [Centro Brasileiro de teatro para a infância e adolescência]. Mas também atua como produtor no teatro adulto. No momento, Antonio Carlos Bernardes está em cartaz como autor, produtor e diretor do espetáculo “Mamãe como eu nasci?” , para crianças.
Qual a sua primeira experiência em teatro? Você se recorda quando sentiu algo como: “eu quero isto pra mim também”?
Minha primeira experiência teatral foi aos 8 anos. Estava no segundo ano primário e numa festa do dia das mães, fui um dos escolhido para ser um dos três filhos de uma aluna mais. Tinha palco, cortinas, uma plateia enorme de pais, avós e professores. Acho que ali fui “contaminado”.
Como você avalia estes mil dias do novo milênio: para o CBTIJ, para o teatro para crianças no Brasil?
Estes últimos três anos foram muito bons para o CBTIJ. Fizemos três Mostras de Teatro para Crianças, em parceria com o SESC Rio de Janeiro, em treze de suas unidades (capital, subúrbio e interior do estado). A maior parte delas, sem nenhuma tradição de programação teatral infantil. Pouco a pouco criamos um público que se acostumou a ver bons espetáculos. De 17 mil espectadores em 2001, passamos para quase trinta mil em 2002 e este anos ultrapassamos 40 mil.
Como você vê a política cultural para o teatro adulto e para o teatro infantil?
Há anos, o que vemos é uma política de balcão, e quem leva, é o que têm mais influência e amigos nas posições chaves. Sem contar, que atualmente para se fazer teatro, tem que antes ter sua cara exibida pela TV Globo. É uma distorção completa do que é política pública cultural. E isso, não se deve apenas no nível governamental. As grandes empresas patrocinadores, pelos seus Departamentos de Marketing também atuam da mesma maneira, é com dinheiro vindo das isenções de impostos. (ou seja dinheiro que seria público). Se isso ocorre com o teatro adulto, nem vale a pena comentar o que se passa com o teatro infantil.
Como você avalia a produção teatral voltada para o público adolescente? Existem bons textos, bons profissionais envolvidos, está tudo muito amador?
A adolescência é uma “invenção” deste século, portanto o que se faz hoje em teatro, cinema ou televisão para os jovens, possui ainda um espectro reduzido, se comparado com a influência cultural que o jovem hoje já exerce em nossa sociedade. O problema é que temos jovens que não chegam a formar um hábito e gosto pelo teatro, e logo não tendo um público formado são poucas as opções oferecidas aos jovens.
As condições dadas aos profissionais que trabalham em teatro para crianças, são, em geral, diferentes às oferecidas ao teatro adulto?
Sim, a começar pelo valor dado aos prêmios, patrocínios e cachês oferecidos nesta área. É uma luta constante, mas conseguimos alguns resultados. Este ano, pela primeira vez a Funarte deu um cachê ao prêmio de dramaturgia igual ao adulto e ao infantil. Também o espaço conseguido na imprensa é sempre infinitamente inferior ao das produções de teatro adulto. Muitas salas de espetáculos, inclusive do governo, não abrem seu espaço para espetáculos para crianças. Nos teatros em que existem temporadas para crianças e jovens, em geral, as produções são obrigadas a se sujeitar a espaços reduzidos.
Como é o perfil dos profissionais que trabalham no teatro para crianças? Quem são estas pessoas?
Em geral, quem faz teatro para crianças, também faz para adolescentes e adulto. Neste país, uma especialização é muito difícil, mas o CBTIJ se propõe a reunir profissionais que mais constantemente realizam teatro para crianças e jovens. Nos reunimos periodicamente para conversar sobre os problemas específicos dessa área, além de conversas sobre a ética e a estética dos espetáculos para crianças. Afirmamos sempre que não podemos dizer o que se deve fazer no teatro para crianças, mas certamente temos condições de dizer o que não pode ser feito. Infelizmente, ainda temos pessoas (não os chamaria de profissionais) que acham que fazer teatro para crianças é uma maneira de ganhar apenas dinheiro, ou ser apenas um trampolim para fazer teatro para adultos.