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Esta entrevista fez parte do Seminário Permanente de Teatro para Infância e Juventude, realizada no Teatro Ziembinski, em 20 de agosto de 1997

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Dudu Sandroni
Hoje, estamos aqui com a Oficina de Criação de Espetáculos do Calouste Gulbenkian, representada por seu diretor, o Neco, seu autor, Rogério Blat, sua produtora, Cristiana Maia, a Dada, e boa parte do elenco. A trajetória pessoal de Neco, Rogério e Dada, já renderia um papo bastante animado sobre o que cada um fazia antes ou paralelamente a essa experiência no Calouste. Mas vamos concentrar esta conversa no trabalho da Oficina de Criação de Espetáculos, que tem chamado a atenção pelo sucesso das peças montadas e por tudo o que tem promovido lá. Achamos interessante trazer à luz essa vivência para saber, com detalhes, como se desenvolve todo o processo. Dada, como é que isso pintou?

Dada
Bom, eu cheguei ao Calouste em 1993, e já encontrei o Teatro Gonzaguinha inteiramente reformado. Naquela época, havia lá algumas atividades ligadas à música. Havia um projeto específico, o Quase as sete, com shows de música popular e entrada franca. Na verdade, o que a gente fez foi ampliar essa programação. E, acho até que em função da minha trajetória, – sempre fui uma pessoa ligada ao teatro infantil – tinha vontade de desenvolver no Gonzaguinha alguma coisa nessa área. Criamos então o projeto Quatro cantos, que, infelizmente, foi interrompido em 97 por falta de verbas. Era um projeto que levava para o Gonzaguinha, aos domingos, a boa produção de teatro para crianças, sempre com entrada franca. Acho até que o Núcleo de Teatro para a Infância chegou a participar. O objetivo era dar às pessoas que não podiam pagar ingresso a oportunidade de ver, gratuitamente, os melhores espetáculos produzidos no Rio. Em 94, o Rogério e o Neco começaram a desenvolver um trabalho de oficinas de criação com alunos do Centro Cultural Cândido Mendes. Eles davam aula juntos, lá. Um dia, Neco me trouxe a primeira sinopse que o Rogério escreveu. Fiquei louca com a ideia do Funk-se e propus que a gente levasse o trabalho para o Calouste. No Cândido Mendes, o curso era pago e a proposta, no Calouste, era oferecer de graça. Qualquer pessoa que quisesse fazer teatro, experimentar o que é subir num palco, participar de um processo de criação e construção de um espetáculo, poderia tentar. E foi aí que a gente abriu para a vinda de outros profissionais e inaugurou outras oficinas, todas ligadas às artes cênicas. Fizemos o Funk-se e, na verdade, uma coisa foi puxando a outra. Depois vieram Com o Rio na Barriga e os outros espetáculos. Já havia a ideia de manter no Calouste Gulbenkian projetos dedicados ao público jovem. Até então, o Centro se dedicava mais aos adultos e à terceira idade. Eu sentia que faltava o público jovem lá dentro. E uma coisa super legal, que a gente não fez no ano passado, mas fez na época do Funk-se e do Com o Rio na Barriga, é que todos esses espetáculos integravam um projeto maior, que tinha a ver com o tema da peça, aberto para exposição e música. Fizemos o Nação Funk – junto com a peça apresentamos shows de grupos de Funk-se de dança e uma mostra de vídeo sobre o tema. Na época do Com o Rio na Barriga, a gente fez o Guia Prático de Sobrevivência para a Cidade do Rio, que também era uma forma de ampliar aquele tema, paralelamente à estreia do espetáculo. Basicamente, a ideia foi essa.

Dudu
Dada, não só participei do projeto Quatro Cantos apresentando o Marco Pólo num domingo de manhã, como foi naquele dia que, inspirado pelo seu trabalho no Calouste, decidi realizar a Mostra de Teatro Infanto-Juvenil. Foi lá que nasceu a ideia, que acabou se tornando um dos maiores sucessos do Carlos Gomes, com uma média de público de quinhentas pessoas. Eu poderia dizer até que esse trabalho que a gente faz aqui no Teatro Ziembinski, hoje, também se inspira um pouco no trabalho de vocês lá no Calouste. Essa dupla – Neco e Rogério – surgiu lá no Centro Cultural Cândido Mendes?

Neco
Eu andava doido pra fazer alguma coisa contemporânea, pegar um autor novo, ter ele ao meu lado. Comecei a ler muito, peguei texto de todo mundo. Nessa época, teve um Seminário sobre Teatro para Infância e Juventude no CCBB e o Rogério estava lá. Aí a Dada disse: “Bate um papo com o Rogério, fala com ele…”.

Dada
Isso, exatamente. O Neco e o Rogério estavam na mesa, mas não se conheciam. E eu achei o maior barato tudo o que o Rogério falou.

Neco
A Dada ficava assim: “Liga pro Rogério, liga pro Rogério.” Liguei pro Rogério. Era janeiro, aquele mês mico, em que não rola nada. O Rogério foi lá pra casa e começamos a conversar. E tudo o que a gente dizia ia se ajustando, combinava com o que o outro pensava. Eu estava dando aula no Cândido Mendes, era o meu porto seguro. Aí veio a ideia: vamos dar aula juntos, que a gente vai desenvolvendo o tema, vai trabalhando. Vamos? Vamos. O Rogério já veio com a ideia do funk. Adorei. E aí, começamos a trabalhar no Cândido Mendes. Os cursos lá eram pagos. Quando começamos a trabalhar o tema do funk, percebemos que precisávamos de mais gente. Então, eu ia pra rua, via um flanelinha e pensava: preciso desse menino na peça… E chamava. Chamava o segurança, chamava todo mundo…

Rogério
Começou a ter muito bolsista (risos). E nós começamos a ficar malvistos no Cândido Mendes.

Neco
E também não havia mais dinheiro. A gente não recebia mais pagamento.

Rogério
É. Começamos a dar prejuízo. Percebemos também que o espetáculo não cabia no Cândido Mendes. O espetáculo tinha uma cara, um volume, que não combinava com aquele lugar. Precisávamos de mais espaço.

Neco
Não dava. E vinha o boy do Cândido Mendes: “Fala com a chefa pra ela me liberar pra poder fazer a sua aula. Uma vez por semana. Vai lá falar…” Eu tive que falar. Tinha o segurança, o Alexandre, que ficava de guarda: “É funk? Deixa eu entrar.” Então, o trabalho começou naquele espaçozinho do Cândido Mendes e, em pouco tempo, reunimos umas 40 pessoas. Não cabia mais, né, Rogério?

Rogério
Tentamos o Teatro do Cândido Mendes do Centro, mas não deu.

Neco
Tentamos o heliporto… A gente tentou o diabo. Tudo.

Rogério
É, e nada. Não rolava nada. Aí, veio a Dada e mordeu a isca, topou o lance. Foi muito legal.

Dada
Pois é. Mas é legal dizer que um projeto como esse das oficinas de criação só é possível com essa estrutura, profissionais trabalhando e curso gratuito, porque existe uma instituição por trás que paga o trabalho dessas pessoas. Comercialmente, o projeto é inviável. Só pode existir porque tem uma Secretaria de Cultura, no caso, a do Município do Rio de Janeiro, que banca e paga as pessoas para desenvolverem esse trabalho.

Neco
Para os alunos, é de graça. Eles não pagam nada.

Dudu
Quantos alunos são atualmente? Vocês começaram com 40?

Dada
Nas quatro peças, são de 80 a 100.

Neco
No fim de setembro de 97, a gente vai estrear o DNA Brasil e vai levar três peças para a Casa de Cultura Laura Alvim: Passado a Limpo, O Futuro era Hoje! e Com o Rio na Barriga. Vamos reunir a galera toda…

Rogério
Isso é legal – esse convite – e aconteceu em função de todo o trabalho. É ótimo ter um espaço tipo Laura Alvim para apresentar esses três espetáculos.

Neco
Vamos dar essa guarida para a Zona Sul. Seria legal se a gente conseguisse que todos os teatros – o Ziembinski, o Laura Alvim, o Gonzaguinha – fizessem um repertório com o trabalho de várias companhias, com os grupos se visitando.

Rogério
É uma boa ideia.

Dudu
Mas, apesar de tudo, me parece que o trabalho de vocês, infelizmente, ainda não encontrou a repercussão que merece na mídia e na cidade. Ainda é um trabalho um pouco marginalizado. Então, pergunto: que dificuldades vocês têm para se relacionar com a cidade, a sociedade e, em particular, com a mídia? O Calouste, como o Ziembinski, é uma instituição da Prefeitura do Rio. Que apoio vocês recebem da Prefeitura? Qual é a dificuldade de fazer com que o Calouste apareça na mídia e ocupe o lugar que ele merece?

Dada
Eu vou te contar uma historinha que ilustra bem isso. Não me lembro qual dos espetáculos a gente estava estreando. A nossa assessora de imprensa, Adriana Piccolo, levou o material de divulgação para o editor da revista Veja e ele fez o seguinte comentário, muito curioso: “O trabalho deles é tão legal – se referindo ao Neco e ao Rogério. Pena que é nesse lugar” – na Praça Onze. Eu fico achando que a mídia carioca é um pouco elitista, está voltada para o público da Zona Sul. Então, tudo o que acontece do lado de cá não tem espaço. Se o teatro jovem e o teatro infantil já não têm espaço, na Praça Onze, então, é praticamente impossível. E quando se trata de um trabalho com um caráter social, é mais difícil ainda. Porque, na verdade, o Calouste Gulbenkian é um centro de artes popular, existe para servir uma parcela da população carioca que não é a parcela que vai ao Teatro do Leblon, ao Metropolitan. É popular mesmo. Tem pouco espaço no jornal pra isso. A mídia não valoriza, não se interessa. Outro complicador é o fato de o Centro ser subvencionado pela prefeitura. A princípio, as pessoas têm certa implicância, rejeitam por ser da prefeitura. Juntando tudo, a gente acaba caindo no mesmo problema de sempre, o da divulgação. Hoje, oferecemos no Calouste mais de cem cursos na área de artesanato e é um sofrimento divulgar isso. Não tem espaço mesmo. Mas é trabalho de formiguinha. A gente vai fazendo aos pouquinhos, aos pouquinhos, e consegue.

Rogério
Acho que a mídia, a imprensa, é superimportante. Acho também que somos queridos pelos jornalistas, pelos críticos, por causa do trabalho que fazemos no Calouste.

Dada
Uma observação. Quando me referi à mídia, não me referi aos jornalistas e críticos que cobrem teatro jovem. Me referi à mídia como espaço…

Rogério
Eu sei, ao espaço geral. Mas eu estou pouco me preocupando com isso, sabia? Estamos tendo uma oportunidade legal de botar em prática nossas ideias. No Calouste, a gente faz as maiores loucuras do mundo e nunca ninguém, nem a diretora do Calouste, nem a Dada, nem a Helena Severo ou quem quer que seja, chegou e disse: “Ih, mas não pode falar sobre cocaína, não pode falar sobre homossexualismo, não é bom falar sobre a madame que virou chefe do tráfico”. Nunca. Acho que é por isso que o trabalho da gente dá certo. Porque não estamos comprometidos com ninguém. Temos uma liberdade ampla e irrestrita. E o resultado disso acaba chamando a atenção, porque fica diferente do trabalho de pessoas comprometidas com o patrocinador ou consigo mesmas. Tem muita gente comprometida com ideologias próprias ou mesmo importadas a respeito de teatro jovem. A gente não tem isso e é por isso que é bárbaro. Então, se a imprensa quer ir lá ver, que vá. Se não quiser, que não vá.

Neco
A falta de espaço na imprensa é um problema, eu acho do teatro em si. Já fiz tanta peça na Zona Sul com ator global e muita mídia e que, apesar disso, foi um fracasso…

Rogério
E, eu já quebrei a cara legal, também.

Neco
Chegava no teatro e encontrava 40 pessoas…

Rogério
Quarenta? Tinha muito. Eu já encontrei uma só. Quarenta era sucesso.

Neco
No Calouste, com essa coisa do preço popular – R$ 5,00 o ingresso -, temos conseguido manter uma média de público até digna. Com o Rio na Barriga ficou quase um ano em cartaz. Mantivemos uma média legal de público. Às vezes, com bastante gente, outras, com menos, mas nunca deixamos de fazer o espetáculo. Já fizemos para três. Três pessoas que saíram de casa para ir assistir um espetáculo na Praça Onze. Tínhamos que fazer.

Rogério
Essa questão é muito legal. Eu já fui muito ansioso… Acho que todo mundo da classe artística que faz uma produção, que bota uma peça em cartaz, que despende grana, esforço, que batalha patrocínio, acaba mesmo ficando comprometido com um monte de coisas. E você fica ansioso pela resposta do mercado. Não sou contra isso, não. Eu também fico, mesmo quando o espetáculo tem entrada franca. O que a gente quer é ver o filho bonito, né? Recebendo medalhas na escola. Mas deixar essa ansiedade de lado também é legal. Quando pinta muita ansiedade, você vai criando ilusões. Aí, quando abre a revista Programa e sua foto está lá desse tamanho, você tem um enfarte, entendeu? De repente, isso não leva a nada. Um bom espaço na mídia não significa casa lotada durante toda a temporada. Não funciona assim. A coisa mais legal ainda é aquele velho boca-a-boca que acaba levando público ao teatro. Quando você dá um tempo na ansiedade, parece que desobstrui o caminho. Acho também que, quando você se compromete muito com o patrocinador, a qualidade do trabalho fica meio ameaçada. Entende o que eu quero dizer, Dudu? A ansiedade gera um peso que compromete a coisa mais pura do trabalho, provoca uma inversão de valores. O mais importante passa a ser o patrocinador, o lançamento na mídia, o divulgador. E o trabalho em si começa a ir para segundo plano. Tenho pensado muito nessas coisas…

Neco
Apesar das dificuldades, a gente tem tido um bom espaço na imprensa.

Rogério
E verdade. Mas às vezes acontecem coisas curiosas. Um dia, peguei O Globo para olhar o roteiro de teatro, ver se nossa peça estava lá. E não estava. Eu pensei: Ai, caramba… Vai ser um fim de semana daqueles, nosso tijolinho caiu do roteiro. Fiquei meio aborrecido, comecei a folhear o Segundo Caderno, e bati num título assim: “O Futuro era hoje?” Era um artigo do Arthur Dapieve. Ele viu o espetáculo e ficou completamente alucinado. Escreveu um artigo inteiro, numa coluna de sábado, sobre O Futuro era Hoje, sobre como ele tinha ficado impressionado. Aí, você pensa: que legal, não pedimos nada, não teve lobby nenhum e a matéria estava lá, um artigo inteiro. Isso é; que é bacana: a repercussão espontânea do trabalho. Quando a gente não se preocupa, essas forças ocultas começam a trabalhara favor.

Dudu
Quero levantar uma polêmica, Rogério. Tudo certo quando você fala sobre o prazer de não ter compromisso com as coisas (o patrocinador, a mídia), mas eu estou extremamente preocupado. A idade começa a chegar, não somos mais garotos…

Dada
Os cabelos estão ficando brancos, não é Dudu?

Dudu
É. O tempo de Ginásio do São Vicente já passou e essa questão do retorno financeiro no teatro me preocupa profundamente. Estou empenhadíssimo em pensar e resolver esta questão. Será que existe a possibilidade de artistas viverem de teatro? Existe alguma esperança de que isso ocorra ainda durante a nossa geração? Porque, atualmente, isso não acontece. Tenho pensado em como adequar a arte que a gente faz, ajustá-la, de alguma forma, ao mercado, à sociedade, fazer com que a sociedade compareça ao teatro, pague por ele e que esse dinheiro reverta para o bolso dos artistas. Porque, caso contrário, acaba perdendo uma parte do sentido. Uma saída na qual tenho pensado é fazer teatro amador. Amador no bom sentido da palavra… Parar realmente de me preocupar e pronto. Fazer teatro por puro prazer, sem compromisso com nada e não me importar com essa coisa da adequação, do mercado…

Rogério
Fazer teatro por amor.

Dudu
É, por amor, que é, na verdade, o que a gente faz. É o que eu faço há dez anos. Sou diretor de teatro há dez anos e há dez anos faço isso. Nunca ganhei dinheiro substancial com teatro. Nunca, nunca. Então, essa questão me preocupa. Atualmente, faço teatro experimental, quero experimentar e descobrir como fazer para o público ir, pagar. É esse o meu experimentalismo. Não tem mais nenhuma vanguarda, nenhum Grotowski. Essa coisa do experimentalismo, no meu caso, já era. O experimental hoje é investigar o mercado. Esse é o meu teatro experimental. O que é que a gente perdeu ao longo desses anos todos? Hoje, a situação é igual para todos. Ninguém tem público. Se tem quarenta na plateia, é sucesso. A gente está se satisfazendo com isso? Acho que não. É uma boa discussão… Uma discussão que não tem nada a ver com o trabalho de vocês…

Rogério
Que é um caso à parte.

Dudu
É. Essa questão da prefeitura, da estrutura, é mesmo um caso à parte. Mas eu gosto de levantar essa bola, porque é uma questão que me preocupa profundamente. Quando pensei nesses debates, queria muito discutir produção. Não quero mais fazer intercâmbio artístico…

Rogério
Ah, não, isso é um saco.

Dudu
Acho que alguma coisa tem que ser feita.

Rogério
Mas veja bem. Acabei de escrever um espetáculo, que tinha prometido para o Ricardo Blat já há algum tempo. Escrevi um espetáculo para montar com quinhentos reais porque eu não estou precisando de mais nada, sabe? Estou cansado de me atrelar a um patrocinador ou correr atrás de algum bondoso, alguém que vá com a minha cara, que me dê uma grana ou alguém que me dê uma pauta no teatro. Estou no seguinte ponto: posso montar esse espetáculo com o Ricardo, com uma bacia de água e fazer aqui na calçada. Quero me livrar disso também, sabe?

Dudu
Da dependência…

Rogério
Nego quer montar uma peça e comprar um apartamento, sabe? É impressionante isso. Todo mundo quer estudar um ano de teatro e ser o primeiro personagem da novela das oito. Eu tô fora. Não quero participar disso. Essa turma não é a minha, esse tipo de teia, de pensamento, não é meu e eu não estou a fim de me endividar num Teatro dos Quatro. Não estou a fim de perder noite de sono porque botei grana minha, que eu não tinha, num espetáculo que não vai bem, entendeu? Não tenho mais interesse nesse padrão de produção. Se eu tiver um produtor, ótimo, que ele vá à luta. Maravilhoso. Me sinto muito desestimulado em relação a isso, porque não estou com vontade de fazer média com ninguém, de botar roupinha bonita e sorrir pra gente de quem não gosto. Agora, dinheiro eu também quero. Acho que tem muita gente com esse tipo de mentalidade, só de produção, e que bota qualquer coisa em cena. E que até se dá bem, porque pega o teatro de um shopping qualquer e consegue pagar. Mas o resultado, a qualidade, já ficou em terceiro plano. Nego monta uma peça hoje como se abrisse uma banquinha de camelô, sabe? Abre ali, vende, não deu certo, vai embora. E esquisito. Eu sou jurado do Prêmio Coca-Cola de 97. Estou tendo um panorama incrível da produção teatral. Você vê coisas muito legais, mas também vê uns equívocos enormes, como trombada de Jumbo com Concorde, sabe? Mas acho que, apesar de tudo, você acaba conseguindo ganhar seu dinheiro, a longo prazo, com um trabalho de qualidade.

Dada
Vou falar sobre isso como produtora, a partir da experiência que eu tive no Teatro Gonzaguinha, como administradora, e que me fez refletir… Quando cheguei ao Gonzaguinha, existia uma coisa que, até então, era inédita na minha vida: verba. Eu tinha verba para fazer as coisas e fiquei completamente encantada com isso. Podia programar um show, um espetáculo, o que eu bem entendesse, porque tinha dinheiro para pagar as pessoas. E isso, para quem sempre foi produtora de teatro, era um nirvana. O momento que vivo agora é um pouco diferente do momento do Rogério. Quero, cada vez mais, me profissionalizar. Sinto que a minha relação com o teatro sempre foi muito amadora. A gente juntava o grupo, cada um dava tanto para produzir o espetáculo e pronto, botava em cartaz. O que eu percebo hoje, em relação à produção, é que, cada vez mais, a gente tem que ser profissional. Existem as leis de incentivo fiscal. A gente tem que usar. Coisa que, no Calouste, a gente nunca fez. Esse ano é que estou me organizando para isso. Existe uma coisa chamada marketing. Hoje em dia, não há como não ter um profissional dessa área, quando se administra um espaço – uma pessoa que ajude a vender esse espaço. Estou correndo atrás disso, atrás da profissionalização. De alguma maneira, quero tentar transformar isso que eu sempre fiz porque gosto, porque escolhi, numa atividade para ganhar dinheiro. Neste ano, não fizemos praticamente nada no Gonzaguinha porque não havia dinheiro. Essa é a verdade, Vamos estrear o DNA Brasil no susto. Eu, particularmente, já tinha até desistido. Achei que não vinha dinheiro mesmo. Mas, na hora H, a grana pintou.

Neco
É verdade.

Dada
Como produtora, me acomodei a essa coisa pública paternalista, que dá a verba para você fazer as coisas. Hoje, entendo que a gente tem que correr atrás disso no sentido profissional. Deixar de ser um grupo ingênuo e tentar ser profissional nesse sentido. Não sei se fui clara.

Neco
E por isso que ela é minha produtora, gente, (risos.) Faço teatro há bastante tempo. Fazia de terça a domingo; na quinta, duas sessões; sábado, duas sessões; e domingo, duas sessões. Eram nove sessões por semana. Já ganhei dinheiro com teatro e já vendi carro para pagar dívida de teatro. Você pode investir uma grana num projeto e ele acabar virando um fracasso. Essa dúvida, com teatro, a gente vai ter sempre. Em alguns momentos, vamos ter um espetáculo legal e, se pegar de boca, a temporada será boa, pode dar pra ganhar um dinheirinho. Em outros casos, teremos dificuldades. Desde que convivo com esse ofício, faço algumas coisas paralelas, como dar aula, gravar um comercial aqui, fazer um programa de televisão ali. Nos momentos de aperto, não posso ficar devendo a mensalidade do colégio das crianças.

Dada
Acho que há formas de minimizar isso. Se a gente se profissionaliza, se deixa de ter essa visão romântica de teatro, descobre mecanismos para minimizar essa coisa da dívida, do fracasso, de tudo que pode ser decorrente de uma produção. Há maneiras de fazermos isso.

Neco
Esse projeto das oficinas de criação no centro da cidade é uma maneira de democratizar o teatro. As pessoas têm facilidade, têm acesso para chegar ao teatro. O preço é baixo. Para algumas escolas públicas, fazemos de graça. A gente faz o que pode para que as pessoas tenham o primeiro contato com o teatro. Muitos dos que foram ao Gonzaguinha, nunca tinham ido a teatro na vida.

Dada
Com certeza.

Neco
Estamos tentando criar facilidades para que esse público tenha acesso a esse tipo de informação. Trabalhamos com coisas contemporâneas, com uma linguagem direta, popular, que as pessoas entendem. O resultado é que esse público, que tradicionalmente não frequenta salas de espetáculo, vai criar uma relação até de afeto com o teatro. E isso a gente consegue com esse intercâmbio, juntando todas essas companhias que fazem teatro de repertório, criando facilidades para esse público ter acesso a várias informações. A situação é a seguinte: eu, que me considero parte da classe média, não consigo pagar dois ingressos a R$ 28 cada, um total de R$ 56, para assistir a uma peça. É um disparate.

Dada
É caro.

Neco
Não pode ser assim. Aí, você diz: vamos alugar um vídeo, que custa R$ 4,00 comprar um caviar, um vinho, e vamos ficar em casa. Depois, a gente dá uma e maravilha, né?(risos.) Ou então, pensa: ah vai ter um trânsito horrível, o flanelinha vai me encher o saco, posso ser roubado, deve ter quatro pessoas na plateia… E resolve ficar em casa.

Rogério
Acho que o mais desestimulante para o público é o fato de a peça não ser boa. Já pensou o que é uma pessoa passar por tudo isso, sair de casa, estacionar, aguentar o flanelinha, sentar e ainda assistir uma coisa chata? Vamos falar a verdade. O cinema é o grande concorrente, porque é barato. Todas essas produções…

Dada
Profissionalérrimas… A gente tem que começar a buscar nossos mecanismos para nos lançarmos, no teatro, do mesmo modo que o cinema faz. E disso que eu estou falando, desse profissionalismo. Precisamos perder essa visão romântica de teatro, entender que a gente precisa viver disso, (aplausos.)

Rogério
É, mas tem uma coisa que é fundamental. Se você quer ter público às nove horas da noite, comece a trabalhar às nove horas da manhã.

Dada
Mas é disso que eu estou falando.

Rogério
O que acontece muito é o seguinte: o cara vai fazer uma peça à noite e fica em casa deitado o dia inteiro, se preparando, porque à noite vai para o teatro. Aí chega lá e não tem público. Tem que correr atrás. A gente sempre fala isso para os nossos alunos: tem que correr atrás o tempo todo. É corpo-a-corpo mesmo. Tem que trabalhar.

Neco
Na época do Funk-se, no Teatro Ipanema, para promover a peça, o elenco inteiro ia dançar funk na rua. A gente percorria a Praia de Ipanema inteira dançando funk, entendeu? E isso dava retorno.

Dada
A gente precisa descobrir qual é o mecanismo de comunicação entre quem produz teatro e quem assiste às peças. Seja dançar funk na rua ou outra coisa qualquer… O marketing é isso. Temos que começar a ter esse tipo de pensamento, esse tipo de visão. Temos que, de alguma maneira, sem perder a autenticidade, a coisa artesanal do teatro, encontrar esse elo da comunicação com o público.

Da plateia, Maria Helena
Pensei que vocês tinham trabalhado a ideia do funk a partir do grupo. Mas, pelo que entendi, o Rogério teve a ideia primeiro e depois é que veio o trabalho com o grupo. Como é o processo? É sempre intuitivo?

Rogério
É extremamente intuitivo. Quando o Neco me chamou, eu estava com o negócio do funk na cabeça porque, na época, estouraram aquelas notícias sobre correria, arrastão no Arpoador. Eu fiquei muito impressionado, mas achava que não era bem assim. Entrei numa que estavam manipulando as informações que chegavam até nós. Quando o Neco me chamou, lancei essa ideia. Eu disse a ele que tinha vontade de fazer uma peça sobre funk, só que eu queria muita gente em cena. Ih, agora que estou falando isso, percebi que quem inventou esse negócio de muita gente fui eu… (risos.)

Neco
Agora, tô viciado.

Rogério
Eu tinha o funk como tema, mas não tinha a menor ideia do que ia escrever. Aí, viajei para a índia e, na volta, começamos a dar aulas no Cândido Mendes. Começamos a fazer exercícios, chamar gente, fazer pesquisa. Criamos um formulário e pedimos aos alunos para irem pesquisar na rua.

Neco
O Furacão 2000 foi lá, no Cândido Mendes, debater funk.

Da plateia, Maria Helena
Como eram as pesquisas?

Rogério
Do tipo: o que é que você foi fazer no baile? O que acontecia nesse baile? O que você sentia lá, dançando? Começamos a chamar umas galeras para conversar com o pessoal do elenco. Em cima disso um monte de ideias pintou. Comecei a elaborar o que eu queria fazer. Comecei a escrever exercícios. Até hoje a gente faz isso, Paralelamente ao que eu já estava escrevendo em casa, propunha exercícios, para botar em prática o que eu escrevia. Era bárbaro, porque eu via a coisa acontecer ali: o que rolava e o que não rolava. As ideias que davam certo e as ideias que não davam. E esse processo virou uma coisa efetiva. Acho que um espetáculo é consequência do outro. Tenho uma coisa que fica lá no meu inconsciente, trabalhando, trabalhando, trabalhando. Estou sempre pensando na próxima história. Eu não sei direito como vou fazer, mas sei sobre o que vou fazer. Não sei direito que história vou contar, que personagens vão surgir na história. Quando a gente foi pro Calouste, com o Funk-se, comecei a ter contato com esta massa. Era uma coisa real mesmo. Eram os funkeiros que iam lá. Fiquei inspirado por essas pessoas e comecei a me voltar para os outros problemas. Percebi que o perfil das oficinas de criação tinha um lado social. Aí, pensei num espetáculo que falasse sobre o Rio, a violência, sobre tudo. Mas, na verdade, escrevi Com o Rio na Barriga por causa de um sinal de trânsito, na Lagoa, que eu não conseguia atravessar. Eu ia correr na Lagoa e nunca conseguia atravessar no sinal. Saía na porrada porque os motoristas não paravam no sinal vermelho. Esse fato detonou uma ira contra essa falta de educação, essa falta de cidadania da população. Os três espetáculos têm a ver com isso. Com o Rio na Barriga, O Passado a Limpo e O Futuro era Hoje!, todos têm a ver…

Dada
Quando estávamos quase estreando Com o Rio na Barriga, pensamos: por que não fazer um espetáculo que fale do Rio no passado, até para ter uma referência?

Rogério
Tínhamos feito uma pesquisa, num livro maravilhoso, bárbaro, O Teatro dos Vícios, em que o autor, o historiador Emanuel de Araújo, fala sobre todo o lado negro da História do Brasil. Eu já tinha feito um estudo com os meninos para o Com o Rio na Barriga e escrevi O Passado a Limpo para mexer mais nessa ferida, nessa herança, nessa falta de educação, que vem de longe, no Rio, no Brasil todo. O processo inteiro é muito intuitivo. Percebo muito as coisas em cena. Fui entender O Futuro era Hoje! dois meses depois da estreia. Entender mesmo, de falar assim: gente, mas eu escrevi isso que está acontecendo lá no palco? É incrível esse processo. O Futuro veio em consequência disso também. Por que não fazer uma peça sobre o passado? Por que não fazer uma coisa sobre o futuro? E o Com o Rio na Barriga ser o presente disso. Aí, fizemos O Passado a Limpo, que tinha o lixo como tema, e O Futuro era Hoje!, consequência dessa violência que a gente está vivendo. Isso é que é bacana. Um trabalho leva a outro. Então, O Futuro era Hoje! me levou a escrever o DNA Brasil, com base na ficção científica. E o DNA Brasil já está me fazendo pensar na peça do ano que vem.

Dudu
Você chega com o texto pronto ou chega com uma ideia, uma cena? Como é o processo de criação da dupla até o espetáculo ficar pronto?

Rogério
Para o espetáculo ficar pronto, acontece de tudo, né? Eu chego para o Neco e falo: Olha, Neco, tô pensando uma coisa para o próximo espetáculo, num personagem que é assim… E ele diz: “Não fala nada, que eu ainda estou neste aqui.” (risos)

Neco
Ele fica querendo que eu vá lá pra frente…

Rogério
O Neco reclama: “Você está me confundindo todo.” Só falta me dar porrada. Mas eu aproveito e já vou cantando umas coisas pra ele, já vou pensando alto…

Neco
Ele me mostra a sinopse, vou olhando e pensando: ah, vou fazer essa cena aqui, uma cena legal, correria no Rio, vai ter um arrastão. Aí boto todo mundo correndo, o elenco fazendo… O pessoal começa a improvisar em cima da sinopse dele, dando umas coordenadas…

Rogério
Sabe uma coisa que eu adoro fazer? Boto todo mundo pra fazer pesquisa – os meninos estão aí, podem confirmar isso. Eles trazem o material, são obrigados a estudar. Todo mundo estuda. Nesse ano, todo mundo estudou História do Brasil. Mandei todo mundo fazer uma pesquisa sobre Santos Dumont. Na peça, só passa um 14 Bis, mas hoje todo mundo sabe quem foi Santos Dumont. Isso é que é bacana, porque eu também preciso saber. Tem muita coisa que eu não sei. Pedi para o Leandro Santana, que está ali – a mãe dele é professora de História -, coisas sobre o Padre Cícero. Ele trouxe o material e eu usei na peça. É legal porque acaba virando uma escola, num sentido amplo, de pesquisa, coisa que hoje em dia falta muito no teatro. Todo mundo já quer tudo pronto.

Da plateiaMaria Helena
O Vianinha dizia que as pessoas iam ao teatro até os 8 anos, depois desapareciam e só voltavam aos 30, 40 anos de idade. Ele queria descobrir como atrair essa faixa de público intermediária, os jovens. Era uma pessoa preocupada com isso. E vocês conseguiram. Vocês descobriram como fazer isso.

Neco
Em 1981, trabalhei com o Carlos Wilson Damião em Capitães de Areia. Era no Teatro dos Quatro, com um bando de desconhecidos, às cinco horas da tarde, de segunda a sexta-feira – um horário completamente atípico. E era um sucesso de bilheteria. Tinha fila na porta dando voltas no shopping. Era uma coisa absurda. Então, acho que se tiver coisas legais, que despertem o interesse do adolescente, ele vai assistir. O jovem tem curiosidade, está querendo descobrir tudo. O importante é a forma que você vai usar para despertar a curiosidade dele. Isso a gente consegue fazer. Além de ter uma energia danada, o nosso elenco tem uma vontade e um prazer tão grande com tudo o que faz, que isso acaba se tornando mais um fator de sedução para as pessoas. Desperta a curiosidade delas para o nosso trabalho.