Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 15.08.1997

 

Barra

Combinação afinada de texto e ação

O autor Carlos Augusto Nazareth volta à cena com mais um espetáculo no qual o processo artesanal de construção chega ao palco revestido de um requinte muito pessoal, marca registrada que fez de O Pássaro do Limo Verde um marco no teatro para a platéia jovem.

Dessa vez o autor se inspira em sua própria obra literária para compor seu texto teatral. O resultado é inovador. O espetáculo, que poderia estar valorizando somente o poético da palavra escrita, traz à cena uma combinação afinada de texto e ação, embalada em produção irretocável. Um resultado de rara felicidade.

A arte tão bem mediada talvez só tenha se tornado possível pela ação do encenador. No caso, o próprio Nazareth, que valoriza seu texto nos mínimos detalhes, sem que se perca no palco a teatralidade da história contada, retirada do livro do mesmo nome. O autor optou por recortar três contos dos quatro que compõem a obra.

Tudo em gira em torno de um menino, ou dos muitos meninos que contêm o personagem e seus sonhos: o de saber o que está atrás dos montes de sua aldeia, de conhecer os mistérios de um circo que passa pela sua cidade e, fechando a viagem mágica, à volta do menino à sua terra para mostrar a todos o novo mundo que descobriu.

Construindo a encenação no tom da descoberta, Nazareth enche o palco de signos. Para o circo, ambientado numa lona colorida apenas recortada, a cena é feita com bonecos de Fernando Sant’ Anna e Gabriel Bezerra, muito bem manipulados por Luiz Kleber e Jandir de Angelis.

Com delicadeza e um certo humor, estão no palco elefantes voadores, uma linda bailarina, um apresentador que comanda o espetáculo, além de duas comadres fofoqueiras representadas por duas bonecas de enormes proporções feias com a platéia do fantoche de vestir. A música ao vivo, que acompanha a cena passo a passo, tem o comando de Marcio Aurê, numa trilha impecável.

Se a direção do espetáculo já é bastante afinada, a direção de ator supera qualquer expectativa. Daniel Lobo e Marisa Avellar vivem seus papéis sem nenhum pudor em expor emoções. Marcados cena a cena, há muito abandonaram o gesto mecânico entregando-se totalmente a seus personagens.

Daniel num papel solo, num espetáculo onde protagoniza grande parte da trama, tem em Marisa uma companheira generosa que lhe abre espaço. Um gesto que só reforça a grandeza da atriz e sua intimidade com o ato de contracenar. E no ato de contracenar a dupla se revela imbatível.

Num cenário quase clean, de panos sobrepostos nos tons terra assinados por Ronald Teixeira, figurinos de Ney Madeira também tinturados na mesma cor, o espetáculo tem ainda iluminação cheia de recursos de Rogério Wiltgen. De quebra, uma surpresa para adulto ou a criança nenhuma botar defeito. Do alto do telão, numa cena sincronizada, Zilka Salaberry a bruxa do Teatrinho Trol, ou a fada do Sítio do Picapau Amarelo, deita sabedoria para os artistas do palco e da platéia. A cortina se fecha, mas a lembrança vai para casa com o público.

Cotação: 4 estrelas (Excelente)