Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 27.07.1997
Uma dupla de sucesso
Peças teatrais para dois atores, sempre fazem o público pensar em economia. Porém, nada mais difícil do que estar em cena, principalmente no palco para crianças, contando apenas com o talento da dupla performance.
Foi Ela que Começou, é um desses desafios bem realizados, onde o texto de Marcelo Saback, inspirado no livro de Toni Brandão, tem nos diálogos ritmados a medida exata do jogo de cena proposto pela direção. O que de nada adiantaria, se no palco não estivessem dois atores que dessem conto desse ping-pong teatral, onde a palavra acompanha a ação passo a passo. Um desses raros casos de técnicas bem utilizada que em nenhum momento dispensa a emoção. Enfim, a regra mista dos grandes atores: Brecht na cabeça Stanislaviski no coração.
Armada como num rinque, o jogo teatral conta uma história simples e de fácil identificação com o publico. Gutti (Luisa Thiré) e Pisco (Eduardo Martini), são irmãos gêmeos de 10 anos, que fogem do estereótipo da igualdade dos gestos e da fala. A estratégia da dupla está em terem os dois a mesma idade e mais ou menos os mesmos interesses. No caso, o alvo da disputa, além do amor dos pais, fica com a posse da televisão, no exato momento em que os adultos saem de casa. Ela, para ver um programa educativo / ecológico. Ele para assistir uma fita de heróis japoneses.
Mas esse é só um detalhe da trama. Servindo o objeto do desejo, apenas como plot, os dois personagens agem ao mesmo tempo que comentam a ação. O ritmo intenso, com pequenas pausas para dar o retorno no entendimento com a plateia, brinca com cenas comuns e caseiras, onde o tom acusação é sublinhado pela condescendência e pela culpa, para logo depois voltar à estaca zero. Exatamente como em qualquer família das imediações.
A direção de Marcelo Saback, encontra em Luísa Thiré e Eduardo Martini, atores preparados para embarcar nessa aventura teatral sem ranço e sem muito espaço para solo performático. Está em cena uma dupla que depende inteiramente um do outro, como num trapézio sem rede. O risco é grande, mas compensador.
No rinque dos atores, Luísa é Gutti sem abusar de meninices exageradas, que poderiam caricaturar o seu personagem. Mesmo o recurso do aparelho ortodental, um entrave para qualquer dicção, chega com o tom de humor, sem prejuízo no entendimento do texto ou performance. Eduardo Martini, numa de suas melhores atuações interpreta o menino Pisco, sem espaço para as terríveis imitações de um adulto que finge ser uma criança. O tom preciso tem resposta imediata.
Com toda essa performance em cena, os demais elementos que compõe o espetáculo acabam vindo a reboque da encenação. Porém com exceção dos cenários de Teca Fichinski, que poderiam desenhar melhor as cenas – alguns painéis são de difícil manipulação – os figurinos e adereços de Cláudio Carpenter estão totalmente integrados a cena, assim com as músicas de Alexandre Negreiros e a iluminação de Paulo César Medeiros. Toques de simplicidade num espetáculo assinado por atores e direção.
Além do público em geral, para quem é feito o espetáculo, os demais interessados nas artes cênicas devem ir até ao Teatro dos 4, onde terão a oportunidade de assistir o tão falado, mas pouco executado teatro teatral.
Cotação: 3 estrelas (Ótimo)