Para começar a falar de arte educação, é importante destacar quando isso começou na minha vida. Era adolescente, tinha enormes dificuldades de relacionamento e era extremamente tímido, mas gostava muito de escrever pequenos textos e poesias. Uma amiga de escola me convidou então a frequentar um grupo de literatura com jovens aos sábados na Aliança Francesa da Tijuca, na cidade do Rio de Janeiro, e foi por aí que, junto com esses adolescentes, no início, na prática e, mais tarde, “descobrindo” algumas teorias, principalmente os textos de Gianni Rodari (Gramática da Fantasia- Summus Editorial) que começamos a trabalhar a criação verbal, fundando em 1984 o grupo Clãdestino de arte educação.
A partir de então, o grupo se especializou na área da criação verbal e, dentro deste trabalho, nada é definitivo – pois ele se baseia na pesquisa de linguagens que estão sempre em mutação. No entanto, existem pontos básicos que determinam a maneira de atuar e trabalhar que gostaria de apresentar nesse texto.
Cada atividade que é desenvolvida, possui um tema central que é selecionado pelo seu potencial metafórico, pela frequência com que aparece em obras poéticas e pelo processo de identificação que pode proporcionar ao participante. É fundamental, para a obtenção do trabalho criador, que o tema tenha uma ligação forte com o cotidiano de quem participa. Assim, há, por exemplo, uma atividade que utiliza o tema “lavação de roupas” e outro que tematiza uma “repartição publica”.
As atividades têm roteiros com maleabilidade suficiente para se adequarem ao público que pretendem atingir. Elas são modificadas de acordo com o local de sua realização e com a idade e posição social dos participantes. Estas alterações são feitas para que cada um possa trabalhar ao máximo a carga de vida que traz consigo.
Os roteiros de animação criativa produzidos são como mosaicos de citações diretas e indiretas de textos vindos da literatura, do folclore, da publicidade, do jornalismo e de outros ramos da comunicação de massa. Esse trabalho procura estimular a criação através de uma integração de todos os tipos de linguagem, já que o homem é em si comunicação. Desta forma, aliadas às linguagens escrita e oral, aparecem a dramatização, a expressão corporal, a dança livre, o canto, a música, o desenho, a escultura etc.
O modo de operar deste tipo de atividade baseia-se na tensão entre duas formas de discurso: uma, dominante em nossa sociedade, a do discurso convergente e conclusivo, baseado na repetição, no já pronto e estabelecido; e a outra, a do discurso da criação, que é divergente e reelabora o real. O discurso da criação não anula o primeiro, apenas o incorpora e o ultrapassa, produzindo um campo transparente entre os dois. Dentro disto, se tomarmos como exemplo um jogo de futebol, a proposta será a de dar-lhe novas alternativas e modos de jogar, sem que a dinâmica do futebol se descaracterize.
O clima é lúdico em todas as atividades, dando à expressão criadora uma desenvoltura maior. O ludismo permite ao participante – principalmente quando criança – o desenvolvimento de determinados aspectos de sua personalidade e ajuda a promover o seu ajustamento social, através de situações com as quais ele se identifica e nas quais vive seus problemas. Tudo é realizado da forma mais bem-humorada possível. 0 clima pode variar da mais livre fantasia até o absurdo e grotesco desbragado.
0 riso lúdico serve como forma de expressão e desrepressão; estabelece cumplicidade e confiança entre participantes e animadores; cria, enfim, um clima psicológico propício à tarefa de criação. Na verdade, abre-se uma brecha para que o inconsciente se solte e para que a força metafórica do espírito vença barreiras, realizando um excelente exercício de razão e emoção.
Durante os trabalhos, o participante é encorajado a não repetir lugares-comuns, estereótipos ou clichês, sendo instigado a ir alem do já visto, sempre em busca do insólito. A senha para isto é “soltar o louco” na linguagem, tomar o gosto pelo ambíguo, pelo inacabado, pelo difícil.
A criatividade é explorada também enquanto análise e reflexão, visando formar um conhecimento crítico do fenômeno criador. Ela serve para explicitar a relação do texto literário como o mundo de cada um, já que as relações sociais são observadas através das estórias criadas. Os problemas de convívio são colocados, então, em nível interpessoal, induzindo-se de modo lúdico à conscientização.
A partir destas premissas básicas, a formação do arte educador através da criação verbal vem realizando, ao longo desses anos, em grupo ou individualmente, diversos projetos. Além dos trabalhos de longa duração desenvolvidos em escolas e espaços alternativos com crianças, adolescentes, artistas e professores, é comum também o trabalho na animação de eventos ocasionais – como lançamentos de livros e festas. Vários projetos comunitários já foram e atualmente ainda estão sendo desenvolvidos em diversas regiões brasileiras, graças principalmente às oficinas de criação verbal que são ministradas em festivais, seminários, workshops etc.
Nas oficinas de criação verbal, as atividades possuem três formas básicas adaptáveis a variações segundo o publico a que se destinem, seu nível cultural e faixa etária. A primeira forma é a chamada “sessão”, onde, a partir de um tema central, brincadeiras e jogos verbais são concatenados em um roteiro de animação que se desenrola em um tempo determinado. A atividade é centralizada, os participantes desenvolvem atividades semelhantes simultaneamente e são conduzidos pelos animadores, que criam situações e procuram levá-los a criação pelo exemplo e pela cobrança de posicionamento diante da situação criada. Ou seja, não há, formalmente, exercícios separáveis, não está presente a fórmula “agora vamos fazer o seguinte “modelo”. A sessão é uma grande brincadeira, ou uma grande peça em que os atores/autores constroem o texto aos pedaços.
Na segunda forma temos os “jogos de mesa”. São jogos criados pelo Grupo Clãdestino, em geral a partir de jogos tradicionais, que são dispostos simultaneamente e abertos à adesão dos participantes. Dentre estes, podemos citar o Jogo de Drama (a partir do jogo de damas), o Tome-Nó (a partir do dominó), a Cartomante, o Xofrango-Frango, o Tô Aí Nessa Boca etc. Os participantes desenvolvem atividades diferentes ao mesmo tempo, sem a existência de roteiro ou centralização, o que não dispensa, porém, a presença do arte-educador como dinamizador.
A terceira forma são os “jogos de estandes”, nos quais os participantes também desenvolvem atividades diferentes simultaneamente, inexistem centralização e tempos predeterminados, como nos jogos de mesa. Este tipo de jogo se apresenta de três maneiras distintas. Na primeira, os jogos não têm relação entre si. Já na segunda, existe um tema central que inter-relaciona todos eles, como por exemplo, a Festa Junina. Na terceira, ha um processo contínuo em que uma série de estandes diferentes são dispostos sequencialmente, como numa linha de montagem. Cada participante segue a sequencia de atividades predeterminada, que possui uma lógica e é guiada por um tema central, como por exemplo a Repartição Cúbica, que satiriza as diversas etapas vividas numa repartição publica.
A formação do arte educador torna-se hoje em dia cada vez mais complexa pois as dinâmicas do fazer artístico, aliadas a avanços tecnológicos, vão provocar constantemente mudanças conceituais. Porém através de um trabalho essencialmente prático, desenvolvendo antes de tudo a criatividade e a imaginação, tendo como premissa básica que a criatividade deve permear todo o processo criativo e emocional, podemos começar a trilhar e desenvolver a formação do arte educador.
Rubens Lima Jr.
Diretor de Teatro. Jornalista, Crítico de Cinema, e Professor do Depto. de Interpretação da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UNIRIO
Obs.
Texto retirado da Revista FENATIB, referente ao 8º e 9º Festival Nacional de Teatro Infantil de Blumenau (2004 e 2005)