Crítica publicada no Jornal O Estado de Minas
Por Marcelo Castilho Avellar – Belo Horizonte – 23.09.1989
Asas à imaginação de cada um
O mínimo que se pode falar sobre O Segredo de Cocachim, espetáculo para crianças em cartaz aos sábados e domingos (16h) na Sala Ceschiatti, Palácio das Artes, é que se mostra como uma deliciosa paródia da moda dos filmes de aventura, ressuscitada pela exibição dos filmes de Indiana Jones e a Última Cruzada. O público adulto e mirim se diverte, ri às pampas com a colocação em cena de uma série de situações que tratam, com uma certa ironia, os chavões do cinema deste gênero.
Reduzir o espetáculo unicamente à sua estrutura, enquanto entretenimento, contudo seria diminuí-lo. A produtora Beth Haas, especialista em espetáculos para crianças, o diretor Kalluh Araújo, responsável por criativos trabalhos como O Ateneu e Ciranda de Pedra, e os excelentes atores Boni da Mata e Érika Buzelin, provavelmente, não gastariam seu tempo em fazer um espetáculo de entretenimento vazio de sentido didático. O Segredo de Cocachim, portanto, atira-se à realização de uma proposta mais densa.
O prazer do espectador quando assiste ao espetáculo é um bom sinal de que este objetivo foi atingido em sua plenitude. O Segredo de Cocachim coloca à frente de seu público uma realidade móvel, onde tudo pode se transformar dependendo de um único elemento: o desejo do espectador, que se materializa através da fantasia das personagens. E é impossível escapar ao próprio desejo, o que faz com que o espectador fique com os olhos presos na cena. O Segredo de Cocachim, ao utilizar este recurso já consagrado em obras como Peter Pan ou Mary Poppins junta pontos no coração de seu público. Quem nunca teve vontade de vivenciar uma grande aventura?
Este recurso lúdico, aplicado à cena acaba por ter efeitos didáticos. A realidade mostrada pelo teatro, em essência, nunca é completa – pressupõe-se que o cérebro do espectador lhe dê coerência a partir de impressões e memórias pessoais. Quando se aplica, como em O Segredo de Cocachim, este fato a uma fantasia, o resultado é um grande apelo à imaginação. É difícil supor que o cérebro de qualquer pessoa consiga ficar parado ao receber um tipo tão agradável de estimulação. Kalluh Araújo alimenta de forma eficiente este processo, ao estilizar pequenos detalhes, transformando-os mais em materializações arquetípicas do que em signos de decodificação imediata. O resultado é que a impressão é sempre mais forte do que a definição, a energia mais poderosa de que a matéria, a imaginação e o sonho se impõem soberanos sobre o conjunto da encenação, fazendo com que a plateia, inconscientemente viva e se emocione com cada elemento sugerido por O Segredo de Cocachim. A peça se realiza, desta forma, como a aventura de cada um, perfeita, inatingível, mas subitamente transformada em sorriso de prazer.