Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 16.10.1993
Pura diversão para a garotada
A vida nos musicais é sempre encantadora. De repente, pessoas que mal se conhecem engrenam uma coreografia e cantam sem jamais ter ensaiando a melodia. Nenhum pezinho errado, nenhuma nota destoante. As situações se revestem de um glamour que nem de longe encosta na vida real. Salamê Minguê, em cartaz no Teatro Clara Nunes, tem esse toque de magia, que tanta falta faz ao cotidiano.
O texto de Chico Anísio mistura teatro, televisão e cinema, para tratar de um assunto comum tanto a personagens de privilegiada condição financeira como aos abandonados meninos de rua – a falta de carinho. Escrito há 17 anos, quando a situação da marginalidade infantil não frequentava diariamente o noticiário, o texto foge de uma abordagem mais crítica, apostando tudo no como deveria ser. Boneca, filha riquinha do casal Cifrão e Cifrinha, tenta despertar a atenção dos pais, fugindo de casa. No caminho encontra os meninos e meninas de rua Une, Dune, Tê, Salamê e Minguê, que vivem sob a proteção do velho Procópio. Cifrinha contrata os serviços de um casal de detetives para encontrar Boneca, mas Procópio já convenceu a menina a voltar para casa. Enquanto isso, Malvina, a governanta e Malvado o mordomo, ajudados pelo ressentido Une, mentem à polícia dizendo que o velho sequestrou a menina. O fecho do vaudeville acontece quando Boneca e Une fizeram o que fizeram por não se sentirem queridos. Nesses casos um beijo resolve tudo.
A direção de Rogério Fabiano, com apoio de Elida L’Astorina, mais a música de Tim Rescala armam um espetáculo cheio de referências. Os meninos de rua muito se assemelham ao cast de apoio de filmes como Oliver Twist, Annie e outras versões glamourizadas da pobreza. Já os ricos vivem em ritmo de opereta, como nos primeiros musicais para a TV, tipo Time Square, My Fair Show e outros. Os bordões, tão comuns na televisão, também foram usados com muita graça. A senhora Cifrinha vive a repetir: “Eu quero mais, mais muito mais”. Quando provocado pela loura burra, o detetive estilo Sam Spider, dá todas as maliciosas intenções só exclamando o nome da mocinha, Bizuca. Já o senhor Cifrão, distribui dólares quando está feliz ao som do aprovativo qualificativo “enooorme”. Enquanto a governanta e o mordomo podem muito bem ter saído de um desenho animado, uma comédia detetivesca americana ou ainda das chanchadas da Atlântida. O resultado da mistura é bárbaro.
No elenco, boas surpresas também acontecem. O jovem Matias Corrêa trabalha surpreendentemente as nuanças do personagem Minguê. Paschoal Villaboin Ferrari faz um velho Procópio sem caricaturas. Silvio Ferrari (the voice), Daniel Lobo e Ângela Rabelo, com tipos distintos, fazem o humor da família Cifrão. Também muito bem – humorados o detetive noir e o joalheiro chiquérrimo de Cláudio Gardin, e o casal Malvina e Malvado, interpretado por Bia Montez e Sérgio Guelles.
Como todo bom espetáculo que se acerta com a chegada do público, Salamê Minguê, em retoques finais é um gostoso musical, cantado e dançado na medida exata. Concebido em quadros, a ligação se faz em perfeita sintonia com o enredo. Diversão pura.
Salamê Minguê – Teatro Clara Nunes, aos sábados e domingos e feriados às 17h; Shopping da Gávea, 3º andar.
Cotação: 2 estrelas (Bom)