Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 27.11.1993
Descomportado auto de Natal
No começo dos anos 70, assistir ao teatro popular de Luiz Mendonça era tão importante quanto descer o São Francisco na Barca da Cultura, usando as desconfortáveis sandálias de couro da Feira de Caruaru. Discutir os problemas do Nordeste, nas areias do Leme ao Leblon, era uma preocupação. O lado exótico do país visto de cadeira, no possante ar refrigerado do João Caetano, era a glória. Peças como Viva o Cordão Encarnado, Lampião no Inferno, Canção de Fogo e A Verdadeira História de Pedro Bacamarte, com Elke Maravilha, Elba Ramalho, Tânia Alves, Tonico Pereira e Imara Reis, entre outros, no elenco, era garantia de lotação esgotada. Vinte anos depois, de como, de como quase tudo deu errado. Texto de Henrique Tavares, com direção de Luiz Mendonça, é um irreverente musical para crianças e adultos e uma nostálgica viagem no tempo para a geração-participação.
O texto é um descomporto auto de Natal, onde a divina gravidez de Maria é posta em dúvida por toda a aldeia. Na cidadezinha de Belém, a Virgem é visitada pelo anjo Gabriel, que, para conferir a seriedade da moça, lhe faz as mais insinuantes perguntas. “O que você sente quando vê o Antonio Fagundes?” Se, para galãs mais velhos, Maria não demonstra maiores emoções, já não é tão indiferente ao cast jovem das novelas da TV. Seu amor por José, porém, se prova verdadeiro, e assim ela é escolhida para ser a mãe do menino Jesus. Entretanto, como Maria não acredita muito em anjos e milagres, é convidada a conhecer de perto os poderes do ser supremo, que concedeu à sua prima Isabel a graça de gerar um filho já em idade avançada. Das confusões com a gravidez da Virgem até o final feliz, tudo se passa com muita atualidade. O autor cria diálogos e personagens bem-humorados, que se desenvolvem na trama com referências muito próximas a seu público. Luiz Mendonça, na direção, traz de volta as meninas cordão azul e encarnado como um interessante contraponto da história. Acostumado a trabalhar com um elenco extenso, Mendonça faz com que seus nove atores se desdobrem em vários papéis, mesmo que apenas suas vozes ou canto sejam ouvidas pelo teatro. Num ritmo intenso, a história é contada sem lacunas.
No cenário simples e criativo de Henrique Celibi – as nuvens do céu são carneirinhos, que depois descem ao presépio -, o amor de Maria e José é vivido num balcão, como o de Romeu e Julieta. Carla Faour é Maria, literalmente cheia de graça. Suas respostas de sim e não lembram os antigos shows de prêmios da TV onde o concorrente tinha que responder dentro da cabine de vidro se desejava trocar seu gordini por um xuxu. Paulo Gianini é um charmoso José, com todas as inquietações de um noivo traído. João Carlos Soares, no papel do anjo Gabriel, mistura tipos como o profeta de praça pública com os insistentes vendedores no mais puro estilo “pedir não é roubar”. Elvira Helena empresta a Isabel o tique das donas de casa, com suas infalíveis respostas para qualquer problema. E Henrique Tavares é um envolvente Coisa Ruim. Em cenas episódicas, Renata Versiani e Lúcia Telles têm marcante presença. O mesmo acontece com Francisco Marconi, que interpreta São João Batista ainda bebê, mas já dando bons motivos para ter sua cabecinha a prêmio.
De Como Quase Tudo deu Errado é um espetáculo intrigante, que explica, numa linguagem bastante acessível aos frenéticos consumidores do shopping, a real razão da comemoração do 25 de dezembro. Acompanham a carne de sol, cebola, picles e um pão com gergelim.
De Como Quase Tudo deu Errado está em cartaz no teatro Cacilda Becker, aos sábados e domingos, às 17h. Ingressos a CR$ 400, com sorteio de lanches. Neste fim de semana, grávidas não pagam.
Cotação: 2 estrelas (Bom)