Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 11.09.1993
Riqueza nos pequenos detalhes
Quando uma boa ideia encontra os elementos certos para sua realização, o resultado sem dúvida nenhuma é compensador. Porém, quando se consegue superar a fonte de inspiração original, o resultado é surpreendente. Andersen, o Contador de Historias (em o Soldadinho de Chumbo), em temporada no teatro Ziembinski, é um desses casos. Inspirados no Andersen de Dano Kaye para a Broadway, o texto de Rogério Blat acabou por se tornar o veículo ideal para que Gilberto Gawronski concebesse um espetáculo aconchegante, rico em pequenos e imprescindíveis detalhes.
Quando a cortina se abre, Andersen está de partida para uma longa viagem. O pano branco que cobre a mobília rapidamente se transforma numa imensa vela de barco. Mas ainda há tempo para uma última história. No palco, Ricardo Blat, Deborah Secco e Fabrício Bittar narram e vivem os personagens do conto O Soldadinho de Chumbo, dentro de uma estrutura anticonvencional, que mistura a arte dos antigos contadores de histórias com o mais puro teatro. Sem as habituais cenas estanques que separam o narrador da ação, o texto envolve o espectador de tal forma que este acaba esquecendo que já conhece o final da história.
Gilberto Gawronski se mostra um diretor atento, não deixando que nada se perca no palco, trabalhando intensamente cada gesto e cada palavra de seus atores. As cenas se modificam aos olhos da plateia como num espetáculo de prestidigitação, sem que a delicadeza da encenação se perca em truques.
No elenco, Ricardo Blat – que além de Andersen vive outros tantos personagens da história – cria tipos irresistíveis, numa versatilidade invejável. Deborah Secco interpreta a menina Ana e a bailarina com alguns toques românticos, numa performance cheia de nuances, enquanto Fabrício Bittar faz o seu soldadinho e também o menino Jonas com um certo distanciamento crítico, destoando levemente de seus companheiros de palco, sem no entanto comprometer a encenação.
Se o elenco responde bem aos desejos do diretor, o apoio técnico não fica atrás. Os cenários de Ronald Teixeira, enclausurados em caixinhas de madeira, que se revelam a cada cena ao olhar atento do espectador, são um achado de criatividade, transformando-se num quarto ator em cena. A iluminação de Paulo César Medeiros cria climas exatos para o desenrolar da trama, e a trilha sonora composta por Charles Khan, que até então vinha seguindo uma linha mais comercial, alcança a beleza suave das caixinhas de música.
Andersen, O Contador de Histórias reúne no palco literatura e representação nas doses exatas, provando em definitivo que, utilizadas com competência, as duas linguagens se confundem e se completam agradavelmente. Como o soldadinho e a bailarina, que na lareira se tornam um único coração, provocando o comentário: “Deve ser por isso dizem que o amor é fogo!” Deve ser por isso mesmo.
Cotação: 3 estrelas (Ótimo)