No Livro Tudo Tem: peça fala da importância da leitura

Já imaginou se alguém determinasse o que podemos ou não ler?

Crítica publicada no Site da Revista Crescer
Por Dib Carneiro Neto – São Paulo – 26.05.2017

A dramaturgia não segura o fôlego inicial. Fotos: Kelly Santos

A peça tem um visível cuidado com a produção

Direito de ler rende espetáculo vistoso, porém irregular

No Livro Tudo Tem, de Carlos Escher, fala de um certo capitão que invade uma biblioteca e quer decidir o que cada um pode ou não ler

No Livro Tudo Tem é um espetáculo infantil muito bem produzido e com um tema importante: o valor da leitura em nossas vidas. Serve muito apropriadamente para escolas introduzirem seus alunos em conteúdos didáticos sobre as épocas de censura e das ditaduras (militares ou não) que historicamente assolaram os direitos dos cidadãos em diversos países do mundo.

O enredo gira justamente em torno disso: em um país de nome Penúria, um certo Capitão Bigode de Limão e sua tropa decidem interditar uma biblioteca e determinar quais livros podem ou não ser lidos pela população.

A questão maior, a meu ver, na execução desse espetáculo é que a dramaturgia não mantém o fôlego inicial, não se sustenta por muito tempo. É arrastada, lenta. O assunto/conflito é posto em cena logo nos primeiros minutos e o restante da peça não traz muitas surpresas nem reviravoltas nem ações crescentes que mantenham aceso o interesse pela peça. A plateia mirim vai ficando irrequieta nas poltronas. Porque chega um ponto em que os personagens não são mais engraçados, nem atraentes, e a trama cai de temperatura, fica desinteressante. Pena.

Porém, há um visível cuidado com a produção. Os figurinos de Cassio Brasil são competentes, com adereços que remetem às brincadeiras de infância, como os chapéus dos personagens, que lembram o “marcha soldado, cabeça de papel”. Na cenografia de Gabriel Stippe e Thales Cristovão, os livros sanfonados e coloridos são encantadoramente lúdicos.

A direção de Carlos Escher (também o autor do texto) tem momentos de linda inspiração, como a cena das três traças, uma cena de execução plasticamente incrível. Mas a opção por fazer toda hora os personagens se esconderem por trás da bancada para as trocas de figurinos é uma opção pouco criativa, porque a partir da terceira vez em que isso se passa o público já não se surpreende mais. A convenção perde a força.

A direção musical, também de Gabriel Stippe, opta por poucas e boas canções, como justamente a das traças, com letra divertida falando que elas comem livro de capa dura no jantar e notícia de jornal no café da manhã. Mas ele e a direção não evitaram a armadilha muito comum no teatro infantil: a canção final com letra moralizante. Muitos diretores musicais fazem isso ainda: para evitar que a mensagem (lição de moral) da peça seja dita pelos atores (o que costuma ser muito condenado pelos críticos), ela vira uma canção final, como se fosse necessário arrematar a trama com a boa e velha ‘moral da história’. Se a dramaturgia fosse mais consistente, com uma história bem contada, o público entenderia tudo sem precisar de explicitar na canção.

Aqui, a letra da música final diz coisas como “Todo mundo deve ser livre pra escolher o que quer ler” ou “Livro é uma forma de prazer”. Desnecessário. Desde o começo da peça, se entende que esse é o recado a ser dado. Para que, então, martelar de novo na cabeça das crianças em forma de ensinamento moral? Essa canção final é mesmo um recurso muito usado no teatro infantil e já é mais do que hora de os diretores e autores começarem a fugir das velhas fórmulas.

Serviço

Sesc Consolação – Teatro Anchieta
Rua Doutor Vila Nova, 245, Vila Buarque, São Paulo
Telefone: 11 3234-3000
Sábados, às 11h. Indicação: Livre
Ingressos: Grátis para crianças até 12 anos. R$ 17,00 (inteira), R$ 8,50 (meia) e R$ 5,00 (credencial SESC)
Temporada:  De 29 de abril a 27 de maio de 2017