Além da garça, outros bichos aparecem na peça, como o gato e o cavalo

Crítica publicada no  Site da Revista Crescer
Por Dib Carneiro Neto – São Paulo – 12.05.2017

A peça conta uma linda e triste história de amor. Fotos: Roberto Ramos

O figurino é impecável

Amor de garça por pescador encanta crianças e adultos no teatro

Kazuki e a Misteriosa Naomi é peça baseada em sensível lenda japonesa

Nada como uma história bem contada. Saí do teatro com esta frase na cabeça, depois de assistir ao infantil Kazuki e a Misteriosa Naomi, espetáculo criado a partir da conhecida lenda japonesa O Pássaro do Poente.

Fortes momentos de ‘contação’ de histórias marcam o espetáculo de forma decisiva, conduzindo a dramaturgia para os rumos do teatro narrativo contemporâneo, em que, por exemplo, o papel de narrador é alternado entre os atores e predomina a valorização da relação olho no olho com a plateia.

O diretor Heitor Goldflus tira o melhor proveito possível da dramaturgia limpa e clara de Marcus Cardeliquio. O texto é objetivo e bastante fluido, mas nem por isso deixa de lançar mão de boas metáforas e imagens poéticas. É extremamente divertido, por exemplo, ao reforçar repetidamente na trama as conhecidas mentiras de pescador. A direção valoriza a palavra mais do que tudo, o que também não impede que adote marcações lúdicas, brincalhonas e dinâmicas, como os frequentes momentos em que o casal de personagens principais, ao se cumprimentar com reverência, choca as cabeças invariavelmente, resultando em riso gostoso da plateia em todas as vezes.

A cenografia, feita basicamente de biombos com rodinhas, e assinada pelo próprio dramaturgo, talvez seja o quesito de menor criatividade do espetáculo, pelo fato de que biombos já foram exaustivamente explorados no palco e, sobretudo, em peças com temática oriental, como é o caso desta. Por isso, é sempre necessário reinventar criativamente esses biombos ambulantes, sob o risco de eles não conseguirem ser mais do que meros elementos utilitários de organização do espaço físico.

Além do trio de atores manejando esses biombos na maior parte do tempo, há na peça um contrarregra que, a meu ver, precisaria ser melhor resolvido, pois há momentos em que tenta se esconder – em vão – por trás dos biombos e outros em que se assume em cena, inclusive porque ganhou figurino próprio. Essa alternância deixa na peça uma leve impressão de mal acabada.

Deborah Corrêa, a figurinista, esmera-se cada vez mais em sua função. A cada espetáculo que vejo com seus figurinos, observo que ela se supera nas criações e no cuidado com os detalhes. Cito aqui a beleza refinada da roupa bordada do personagem Governador (Fernando Nitsch). A iluminação (assinada em dupla por Vânia Jaconis e César Pivetti) tem ótimos momentos de pura poesia, alternando climas intimistas e outros mais abertos. É uma iluminação que se impõe com personalidade – e isso é bom. No dia em que eu estava lá, ressalvo apenas que o efeito final de teatro de sombras falhou na hora agá – uma infelicidade que, tenho certeza, foi só daquele dia e já se contornou e se resolveu.

Impossível não citar também o belíssimo trabalho de Marcio Pontes, na concepção e confecção dos bonecos, como o gato, o cavalo e a garça. Ele também assina a direção de animação. Outro destaque é o visagismo cuidadoso e certeiro, por Kleber Montanheiro. Seu trabalho foi fundamental para a composição visual dos personagens, sem cair em estereótipos.

No conhecido enredo, um jovem solitário chamado Kazuki (Vitor Vieira, ótimo no papel) salva a vida de uma garça ferida, que, sem ele saber, se transforma em linda e misteriosa moça, Naomi (Camila Cohen, com belo trabalho corporal). Ela bate à sua porta, pede abrigo e, tempos depois, vira sua esposa e o ajuda a ganhar muito dinheiro com os panos mágicos que tece com as próprias penas do corpo. Em essência, trata-se mesmo de uma linda e triste história de amor. Quem resiste? Ainda mais assim, tão bem contada. Não percam.

Serviço

Teatro Sérgio Cardoso – Sala Paschoal Carlos Magno
Rua Rui Barbosa, 153 – Bela Vista, São Paulo
Telefone: (11) 3288-0136
Quando: Sábados e domingos, às 16h
Ingressos: R$ 20,00 (inteira) e R$ 10,00 (meia)
Temporada: De 29 de abril a 11 de junho de 2017