A peça é presa à ideia de teatro como complementação do currículo escolar. Foto: Ariel Bernardino

Puffy, Poffy e Piffy fazem desafios de tabuadas e conversam até sobre astronomia. Foto: Ariel Bernardino

Crítica publicada no Site da Revista Crescer
Por Dib Carneiro Neto – São Paulo – 10.03.2017

Três porquinhos presos ao compromisso de “divertir instruindo”

Versão da diretora Pitty Webo para o clássico infantil é bem produzida, mas ainda muito apegada à ideia do teatro como “aproveitamento” escolar

Pitty Webo tem uma boa reputação no teatro infantil. Ela é uma jovem atriz, conhecida do público pelas telenovelas Suave VenenoMalhação e Mulheres Apaixonadas, na TV Globo. É formada em Artes Cênicas pela Universidade do Rio de Janeiro e pela Casa das Artes de Laranjeiras. Tem em seu currículo mais de vinte peças. Começou a fazer teatro para crianças em 1994 no Teatro Tablado, dirigida por Maria Clara Machado. Depois trabalhou com Karen Acioly e Lucia Coelho, outros dois nomes de destaque da área no Rio.

Desde janeiro, São Paulo está conhecendo mais uma de suas peças para crianças, Os Três Porquinhos, que começou a temporada fazendo parte da grade do Festival de Férias do Teatro Folha e agora, mesmo depois de terminada a mostra, se manteve na programação vespertina do teatro do shopping Higienópolis.  Merecidamente. É uma atração muito bem cuidada e produzida. Sem falar que é uma fábula muito conhecida das crianças e, por isso, de um magnetismo infalível. Não há adulto que resista em levar suas crianças para ver quantas versões entrarem em cartaz sobre o faminto lobo mau e seu sopro implacável.

Mas, pelo que fui conferir, achei que Pitty, como diretora, ainda precisa se libertar um pouco mais daquela antiga visão de que teatro para crianças tem de ter, necessariamente, o compromisso com a educação formal. A direção que ela imprime à peça, bem como as escolhas que fez para o texto da adaptação, impregnaram-se de intenções didáticas, muitas vezes bem resolvidas, outras mais forçadas. A esse respeito, vou repetir aqui um trecho de meu livro Pecinha É a Vovozinha!, que traz uma ideia que sempre gosto de reforçar em minhas críticas: “Um bom texto de dramaturgia para jovens e crianças não é o que nasce querendo formar, educar, catequizar, manipular, mas aquele que faz disso tudo decorrência de sua livre condição de obra de arte. Um texto teatral tem de ser livre o suficiente para prender, por mais contrário que isso possa parecer. Oferecendo liberdade em forma de arte é que se consegue formar pensadores, estimular reflexões, derrubar conformismos e transmitir a noção fundamental de que não há limites para viver com intensidade. Quanto menos passível for a criança de ser manipulada e domesticada, mais saudável ela será sempre, durante toda a sua vida.”

Pois é isso: falta mais liberdade à diretora e adaptadora. Pitty oferece uma versão de Os Três Porquinhos ainda muito “sem asas” e bastante presa à ideia de teatro como complementação do currículo escolar. Puffy, Poffy e Piffy (como ela batizou seus porquinhos) brincam com a língua inglesa (quais os nomes das cores em inglês), com os nomes de animais, fazem desafios de tabuada e conversam até sobre astronomia. Felizmente, Pitty Webo é ‘safa’ e talentosa o suficiente para não transformar tudo em aula chata no palco. A peça, de forma nenhuma, chega a ficar maçante e cansativa. Tem ritmo, graça – e isso é fundamental. Mas se salva disso por pouco, por um triz. Mais um pouquinho de brincadeiras “instrutivas” e cairia na chatice. Assim, por causa da intenção da diretora em valorizar o didatismo de currículo escolar, ela fica – a meu ver – uma peça mais atraente para crianças bem pequenas, na idade de pré-alfabetização, quando o que defendo é um teatro infantil mais abrangente, ou seja, que consiga agradar a um público de faixas etárias heterogêneas e amplas, mesmo falando de uma fábula aparentemente tão simples como a dos três porquinhos. O que estou querendo dizer é que você assistirá, no Teatro Folha, a uma boa peça, mas prefira levar os filhos de até 7 anos – esses aproveitarão melhor.

Destaco a ótima cenografia, concebida pela própria diretora, com pinheiros, cercas de madeira, casinhas singelas – tudo bem valorizado pela iluminação, também assinada por Pitty Webo. E, para terminar, faço duas observações com relação à falta de coerência do texto adaptado: 1) o porquinho que sofre bullying por ser gordo e comilão é interpretado por um ator que não é gordo. Ok, o teatro pode tudo e o que vale é a imaginação, mas isso não seria problema se o ator escolhido não fosse bem menos gordo do que o outro que fica rindo dele… Ué… 2) o lobo mau faz uma boa piada ao dizer que não vai ficar assoprando as casas dos porquinhos, porque “isso é antigo!”, mas, na hora da casa de madeira, ele tenta derrubá-la justamente com sopro… Ué…

Serviço

Teatro Folha
Shopping Pátio Higienópolis
Av. Higienópolis, 618 / Terraço, São Paulo
Telefone: (11) 3823-2323. Televendas: (11) 3823 2423 / 3823 2737
Sábados e domingos, às 17h40
Ingressos: R$ 40,00 (inteira) e R$ 20,00 (meia)
Temporada: De 7 de janeiro a 26 de março de 2017