Crítica publicada no Site da Revista Crescer
Por Dib Carneiro Neto – São Paulo – 09.08.2013

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Mais feio é quem me diz… e não é feliz

Filhote de Cruz Credo propõe jogos cênicos para estimular as crianças a pensar sobre beleza e feiur

A cena inicial já é muito instigante. Uma mulher grávida gigante está prestes a dar à luz e as parteiras da cidade – seres humanos de estatura normal – estão apavoradas, pois pode nascer um bebê gigante e elas não conseguiriam dar conta de cuidar de seu nascimento. Com a ajuda do recurso da projeção de sombras em um pano branco, a peça Filhote de Cruz Credo começa muito bem, já dizendo de cara a que veio: estimular a imaginação da plateia com uma fábula sinistra e fantástica.

O que é feio e o que é belo? Como construímos para nós a imagem de nós mesmos? Por que temer o que é diverso, se todos são intrinsecamente diferentes entre si? São as perguntas que perpassam todo o enredo do espetáculo, de forma não explícita, mas sugestiva e metafórica. É um tema ideal para as crianças em fase de autodescoberta e naquela etapa de seu desenvolvimento emocional em que questionam demais as diferenças físicas entre seus pares, em casa, na escola, na vida.

Como o bebê da mulher gigante nasce muito deformado e com uma aparência física bastante incomum, esta obriga a população da cidade fictícia a jogar todos os espelhos no leito do rio, para que nunca o garoto se espante com a própria imagem. Dar cabo dos espelhos faz com que todo habitante daquele lugar também não se veja mais, não saiba mais como é o próprio rosto. É muito bem sacada a cena em que um grupo de crianças desobedece as ordens dos adultos de não se aproximar nunca do rio e acaba encontrando ali um monte de espelhos. Mas, sem saber do que se trata, elas pensam que aqueles objetos esquisitos são porta-retratos e demoram para entender que aquilo que veem é um reflexo de seus rostos, e não uma foto de outra pessoa.

A peça faz parte da comemoração pelos dez anos da cia. O Grito. Com direção de Roberto Morettho e dramaturgia de Alessandro Hernandez (também no elenco), Filhote de Cruz Credo tomou como base o romance homônimo de Fabrício Carpinejar. Mas o livro foi apenas a inspiração inicial de um espetáculo que tomou outros rumos e acrescentou outras histórias, à medida que as pesquisas do grupo avançavam. A Cia. O Grito sempre primou por escolher temas polêmicos e até tabus no teatro infantil, em peças que falavam de doenças, mortes, separações – ou seja, sem medo de caminhar na contracorrente da expectativa social dominante e dessa visão ‘decretada’ de que o teatro para crianças tem de ser sempre alegre, eufórico, solar, otimista.

Para não marcar a ‘feiura’ como um conceito único, o diretor Morettho espertamente faz com que os quatro atores do elenco se revezem no papel do menino medonho, alternando entre eles o uso da máscara de metal que caracteriza o personagem. (Uma boa cena entre os quatro é a do jogo de futebol com lanternas à mão: a bola é a luz que anda pelo chão!)

As atrizes Andréa Manna e Tertulina Alves encaram com competência esses jogos de interpretação propostos pelo diretor, mas as duas figuras masculinas se destacam um pouco mais desta vez. Alessandro Hernandez tem personalidade em seu timbre vocal e, cada vez que abre a boca, demonstra pleno domínio das palavras e, assim, de seu ofício. Denis Antunes, por sua vez, exibe sua força nos números musicais, em que canta muito afinado, arrebatando a plateia.

As canções, aliás, são bem bonitas, com letras inteligentes que dialogam verdadeiramente com o espetáculo, fazendo parte estrutural dele, não apenas servindo de trilha de apoio. Quem assina essa maravilha é Mariane Mattoso. O mesmo não se pode dizer dos figurinos ultrapassados, por demais deslocados da trama sinistra, sobretudo a roupa dos meninos: macacões fortemente coloridos, caricatos e estereotipados, que nenhuma criança usa há décadas. Não que fosse necessário usar figurinos realistas, mas as opções aqui são anacrônicas e disparatadas. Quem assina esse equívoco é Regina Kutka.

Serviço

Teatro Cacilda Becker
Rua Tito, 295, Vila Romana
Telefone: (11) 3864-4513
Sábados e domingos, às 16 horas
Ingressos: R$10 e R$5 (meia)
Até 25 de agosto