Kiara Sasso

Crítica publicada no Site da Revista Crescer
Por Dib Carneiro Neto – São Paulo – 12.07.2013

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Musical A Princesinha é exemplar e tudo funciona bem

Espetáculo surpreende pelo alto nível de sua produção e pela qualidade inegável da adaptação de um clássico infantil

A história da peça você já conhece, com certeza. Uma menina, órfã de mãe, muda-se da Índia para um orfanato na Inglaterra, mas logo chega a notícia da suposta morte de seu pai, em acidente de trabalho. Sara Crewe, até então tida como princesinha, vira faxineira da escola e é muito maltratada pela vilã, a diretora do orfanato. Até que chega a notícia surpreendente: seu pai está vivo, embora tenha perdido a memória. Daí para o final feliz é um pulinho.

Essa trama, retirada do famoso livro da inglesa Frances Hodgson Burnett (1849-1924), escrito em 1905, se passa na Inglaterra pós Primeira Guerra Mundial. Assim como O Jardim Secreto, seu livro mais famoso, que foi parar com sucesso no cinema em 1993, A Princesinha também virou filme: foi no ano de 1995, dirigido por Alfonso Cuarón.

Em São Paulo, um musical superproduzido – com orquestra ao vivo – está em cartaz até o fim de julho, no bairro do Brás. A primeira temporada foi em Campos do Jordão, sede da Fundação Lia Maria Aguiar, entidade assistencial que é a grande produtora da peça, reunindo no elenco – além de ótimos atores profissionais – um grupo seleto de 32 alunos de seu Núcleo de Teatro e Música. São jovens entre 8 e 21 anos, que recebem gratuitamente – por meio dos projetos sociais da Fundação – aulas de canto, teatro, jazz e sapateado.

O musical, com direção de Thiago Gimenes e Keila Fuke, está acima da média do que se produz nesse gênero para crianças em São Paulo. A alta qualidade da produção é digna de muitos aplausos. Vá sem sustos. Além de encher nossos olhos com cenários grandiosos e figurinos de luxo, o espetáculo foi muito bem escrito pelo adaptador Rafael de Castro, num trabalho impecavelmente articulado com o autor das letras das 18 canções, o próprio diretor Thiago Gimenes. Juntos, eles nos surpreendem pelo pleno domínio do ritmo de um musical, que dosa alegria, tristeza, aventura, suspense, humor, dor e muita emoção, tudo na medida certa.

O trabalho do elenco é ótimo e bastante homogêneo, incluindo as crianças. Todos – mesmo os alunos – cantam e interpretam com afinação e segurança. Mara Carvalho, como a vilã, acerta em cheio no tom de severidade e sisudez da diretora da escola, sem precisar lançar mão de caricaturas e outros exageros das bruxas de peças infantis estereotipadas. Juan Alba, como o pai, e Cris Ferri, como a irmã boazinha da vilã, também fazem boas figuras, dando viço e credibilidade aos seus personagens. Leonardo Miggiorin, como o narrador, conduz bem o ritmo da trama, com pausas corretas e emoção bem controlada.

Mas atenção: cada vez que Kiara Sasso, como a indiana Maya (anjo da guarda da princesinha), entra em cena e solta sua voz de rainha veterana dos musicais paulistanos, não tem para mais ninguém – ela, sozinha, cantando, brilha mais do que todo o numeroso elenco junto. Kiara demonstra mais uma vez que nasceu para isso: sua presença resplandecente e sua voz cheia de recursos iluminam o palco com um talento muito particular e especial. Uma participação e tanto.

Entre as crianças, destaque para a adolescente Juliana Ferreira, de 13 anos, no papel da sofredora princesinha Sara. Mesmo gritando demais nas falas em que tem de demonstrar seu nervosismo, ela não perde as rédeas da protagonista e cativa o público. Juliana é apenas uma das 800 crianças e jovens atendidos pela Fundação Lia Maria Aguiar, criada no final de 2008. A julgar pelo preparo de todo o elenco mirim, sobretudo nas boas coreografias criadas por Keila Fuke, trata-se realmente de um belo e diferenciado trabalho de inclusão cultural da comunidade de baixa renda da região serrana de Campos de Jordão. Parabéns a todos.

Na iluminação, o craque Paulo Cesar Medeiros foi muito bem escalado e dá um show de competência. Nos figurinos, Carol Lobato (atuante em muitos musicais de sucesso em São Paulo, assim como em trabalhos no cinema e na tevê), diz a que veio, com muita propriedade, em 120 peças de muito bom gosto, sobretudo nos bordados indianos do início da peça e nos vestidos sisudos da vilã. À frente da espetacular cenografia está outro nome de destaque em São Paulo, Duda Arruk, que se esmerou, por exemplo, na criação de uma enorme cabeça de Buda ou na ágil alternância de ambientações dentro do internato.

3 perguntas para Rafael de Castro, autor do texto da adaptação

Ele tem 30 anos e é da cidade de Mauá, no Grande ABC paulista, onde dirige, desde os 18 anos, o Grupo Artemis de Teatro.

Crescer: Como se preparou para escrever tão bem esse musical?

Rafael de Castro: A música deve conversar com o texto durante toda a história, então a parceria de um diretor musical é fundamental na hora da criação. A pesquisa também é imprescindível para a construção do texto. Assim, livros como O Poder do Mito, de Joseph Campbell, Fábulas Italianas, de Ítalo Calvino, e as antologias de contos dos brasileiros Câmara Cascudo e Silvio Romero me acompanham desde sempre. Mais do que a técnica, eu acredito muito na verdade do ser humano.

Crescer: Quais os seus musicais preferidos e paradigmas para suas criações?

Rafael de Castro: Eu assisto a tudo o que posso de teatro musical e gosto muito de dois em especial: ‘Aida’, do Elton John e Tim Rice, e Into the Woods, do Stephen Sondheim e James Lapine. São histórias que nos fazem pensar, dialogam com o espectador, além de serem bonitas. E quem é que não gosta de uma história bonita, não é? E é nesse turbilhão de pesquisas, processos e histórias bonitas que busco minha inspiração.
Crescer: O que mais você aproveitou nesse processo todo de realização do musical?

Rafael de Castro: A adaptação de A Princesinha me proporcionou conhecer o universo mágico da Frances Hudgson Burnett e mergulhei de cabeça nessas histórias que se relacionam com as histórias reais dos alunos da própria Fundação Lia Maria Aguiar. Juntar tudo isso foi um grande desafio, ainda mais com um elenco assim tão grande.

Serviço

Teatro Anhembi Morumbi
R. Dr. Almeida Lima, 1.176 – Brás, São Paulo
Telefone: (11) 2872-1457.
Os ingressos custam entre R$ 50 (para mezaninos) e R$ 70 (para plateia).
Os espetáculos são realizados aos sábados e domingos, às 16h, e a temporada está prevista para durar até 28 de julho.

Atenção: não siga as informações do seu GPS para chegar ao local, pois você pode se perder. O melhor jeito é vir pela Avenida Alcântara, entrar à direita na Rua dos Trilhos, logo em seguida entrar à esquerda na Rua Almirante Brasil, atravessar a av. Alcântara Machado, entrar à esquerda na Rua Frei Gaspar e de novo à esquerda já na rua do teatro, a rua Dr. Almeida Lima