Critica publicada no Site da Revista Crescer
Por Dib Carneiro Neto – São Paulo – 18.10.2013
Três opções de teatro ao ar livre para a família
Mário e as Marias, Água e Águas de L’Avar fazem carreira em praças, parques e outros espaços públicos da cidade
Vou comentar hoje sobre três peças para crianças encenadas ao ar livre, que vi recentemente em São Paulo. Na verdade, acho até que as peças ditas da modalidade ‘teatro de rua’ nem precisariam dessa definição limitante de ‘teatro para crianças’, pois são espetáculos feitos para atrair a atenção de todos os passantes, transeuntes, frequentadores de praças, parques e outros espaços públicos, enfim, pessoas de todas as faixas etárias: idosos, adultos, jovens e crianças. São justamente, por definição, espetáculos para toda a família, que se apropriam da paisagem urbana como elemento cênico. De tal forma que uma das características mais marcantes dessa modalidade teatral é lidar com a diversidade de público, com as plateias heterogêneas.
Começo por Mário e as Marias, que vi na Praça Buenos Aires, em Higienópolis, com a cia. Lúdicos e direção de Gira de Oliveira. Trata-se do mesmo grupo que já nos brindou com A Ciranda do Villa, sobre a infância de Heitor Villa-Lobos. Agora, o homenageado é o escritor Mário de Andrade. O melhor de tudo é que o espetáculo não é didático, linear ou exageradamente biográfico. A partir de uma pesquisa bem aprofundada no universo das obras do autor de Macunaíma, a companhia optou por uma dramaturgia livre, à base de muitas licenciosidades poéticas. O alto nível de pesquisa fica evidente o tempo todo, mas nunca isso atrapalha o ritmo, o jogo, a imaginação, a fantasia. A pesquisa não se impõe nem subjuga a criação.
Canções tradicionais populares, charadas, adivinhações, trovas, ditados, brincadeiras com a língua portuguesa e o tupi, referências ao candomblé e ao artesanato – tudo isso tem a ver com Mário de Andrade e está a serviço de uma apresentação cativante, criativa, com alto grau de emotividade. É muito linda a cena das máquinas de escrever, assim como é bem sacada a ideia de fazer uma carta passar de mão em mão pela plateia, como se viajasse até o seu destino. As atrizes (as ótimas Alba Brito, Gizele Panza, Jéssica Nascimento, Juliane Pimenta e Vera Carnevali) também brincam o tempo todo de pôr e tirar os óculos, numa divertida convenção para caracterizar o escritor retratado. Para falar, por exemplo, do movimento modernista, do qual Mário de Andrade foi um dos pilares, o refrão de ‘O Sapo não lava o pé’ vira bordão de passeata. A cenografia também mergulha no universo do autor de forma eficiente e rica em informações: carroças, cabaças e outros objetos do artesanato popular, guarda-chuvas e muitos livros empilhados em forma de bancos.
Água é o nome do segundo espetáculo ao ar livre sobre o qual quero comentar. Vi no Dia da Criança, no Parque do Ibirapuera lotado. Uma realização do grupo Clã – Estúdio das Artes Cênicas, fundado em 2001, com direção de Cida Almeida, a peça foi criada em 2011 e já teve mais de 100 apresentações por São Paulo. Põe em cena seis palhaços à procura da água que sumiu do planeta. São eles: Caio Franzolin, Caio Marinho, Gabriel Kuster, Julia Pires, Juliana Oliveira e Paula Praia. O picadeiro vira uma piscina vazia para abrigar o que o elenco anuncia como “o maior espetáculo da água”, trocadilho relacionado ao circo (o maior espetáculo da terra).
Todos os números clássicos de palhaçaria estão no espetáculo. Água na plateia, pescaria de pneus, coreografias atrapalhadas e tantos outros ‘números’ conhecidos da garotada. Mas é, sobretudo, uma direção que valoriza o humor físico entre os clowns. O tempo todo um provoca o outro, um bate no outro, um empurra o outro. Tudo acaba em pancadaria. Outro destaque é a trilha sonora, recheada de músicas conhecidas, muitas vezes até óbvias demais, mas sempre funcionais e bastante ilustrativas. O diretor musical é Célio Collela. Quando entram os guarda-chuvas coloridos, ouve-se Singing in the Rain. Para falar da água salgada do mar, a canção é La Mer. Na hora de mencionar a água que vem do céu, entra Clair de Lune. Para a coreografia das bacias, Ensaboa Mulata. E tudo culmina no Samba do Epílogo, que diz, logo nos primeiros versos: “A água é mãe de toda a sorte.”
Com essa mesma temática, o terceiro espetáculo de rua, que vi nesta semana no Parque da Juventude, é Águas de L’Avar, encenado pelas companhias Teatro de La Plaza e Teatro Por Um Triz, com direção de Héctor López Girondo. Trata-se de uma montagem inspirada em ‘O Avarento’, de Molière, em que os personagens são torneiras cromadas, registros, tubos de PVC, conexões, privadas, descargas, chuveiros. Ou seja, um teatro de formas inanimadas. A ideia pode ser boa, mas não é bem executada, porque a peça não tem ritmo e chega a ficar bastante cansativa e até arrastada, o que é um erro fatal. A história conhecida do velho pão-duro só começa, mesmo, depois de meia hora de espetáculo: as introduções são longas e absolutamente desnecessárias. O elenco (Afonso Braga, Andreza Domingues, Bruna Amado, Gustavo Martins, Márcia Nunes e Wagner Dutra) não demonstra apresentar carisma nenhum para cativar as plateias. O texto tem um humor exageradamente apegado nos trocadilhos com o universo dos encanamentos. Fica forçado a partir de certa hora. Pena.
Serviços
Mário e as Marias
Até 26/10, aos sábados, às 17h30
Centro de Formação Cultural Cidade Tiradentes
Av. Inácio Monteiro, 6.900
A seguir, no SESC Santo Amaro: dias 15 e 23 de novembro, às 17h
Agenda completa: http://cialudicos.wordpress.com
Água
Sábado (dia 19), às 15h
Parque do Carmo
Av. Afonso de Sampaio Souza, 951, Itaquera
Domingo (dia 20), às 15h
Parque Raul Seixas
Rua Murmúrios da Tarde, 211, Itaquera
Agenda completa: www.cladasartescomicas.com.br
Águas de L’Avar
Biblioteca São Paulo
Av. Cruzeiro do Sul, 2.630, Parque da Juventude, Santana
dia 24/10, às 10h e 14h30 e dia 26/10, às 16h
Agenda completa: www.aguasdelavar.blogspot.com