Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone, Rio de Janeiro – 06.07.1991
Uma inexplicável receita de sucesso
O que têm em comum? Um livro sobre alguém que resolve cair no mundo, cheio de tralhas e que vai perdendo tudo pelo caminho. Uma radioplay escrita em homenagem à rainha Mary, que quando transposta para o palco, fica 38 anos em cartaz. Um filme dos anos 70 sobre criador e criatura, que lota as sessões da meia-noite no mundo inteiro; seus autores por certo descobriram a inexplicável
Metade do planeta já sabe onde está Wally. A longa temporada de A Ratoeira era um mistério para a própria Agatha Christie e Rocky Horror Show, com sua plateia participante, é o maior cult movie de que se tem notícia.
Quem quiser seguir a trilha do sucesso inexplicável não precisa ir tão longe. No Shopping da Gávea, precisamente no Teatro Vanucci, todos os sábados e domingos, às 17h30, acontece o fenômeno Apenas um Conto de Fadas, peça infantil de autoria de Eduardo Tolentino com adaptação, direção, supervisão, figurino, cenário, iluminação e direção de produção de Fernando Carrera. Provavelmente sobrecarregado com suas múltiplas funções, ele não percebeu que Apenas um Conto de Fadas está a quilômetros de seu enredo original, tornando sua história incompreensível para o espectador comum.
Senão vejamos: a cortina abre e três crianças estão brincando num lugar estranhíssimo, onde as paredes são pretas e enfeitadas com um Snoopy, uma Mônica e um Rambo. Ao centro, um armário cor de rosa, de um lado um baú e do outro um carrinho de chá. È um sótão! (Foram as crianças que disseram). Feita esta descoberta começa uma discussão entre os três personagens, envolvendo família, tédio e vontade de fugir daquele lugar (o que é perfeitamente compreensível). Black out, luz estroboscópica, crianças estáticas. Aí então acontece tudo. São 16 atores que entram em cena com fúria total. São duendes, fadas, bruxas e quem mais chegar. Tem concurso de miss, amores impossíveis, luta do bem contra o mal. O diabo!
Apesar da confusão, a peça tem momentos muito interessantes, como o da fada Morgana (Flávia de Oliveira) propondo a união de bruxas e fadas contra a tirania dos senhores do bem e do mal, ou a forte presença cênica da fada Sabrina (Rosana Fachada) e sua certeza de que tem muito mais vocação para bruxa, e ainda, o senso crítico do Mágico de Oz (Horácio Veter), quando manda parar o espetáculo porque está sem ritmo e acrescenta que nada pode dar certo.
Engana-se o mágico, Apenas um Conto de Fadas está a 2 anos em cartaz no mesmo teatro. No último domingo, o espetáculo comemorou suas 200 apresentações. Mesmo com toda a chuva que caía, a casa tinha mais de meia plateia ocupada. Um pai, na fila, chantageava o filho: “É a segunda vez que eu venho aqui por sua causa.” Na bomboniere, um concurso, infantil exibicionista: “Eu já vi cinco vezes.” – “Eu já vi oito.”
Apenas um Conto de Fadas já foi assistida por mais de 40 mil pessoas. É um sucesso! Inexplicável, mas é.
Cotação: 1 estrela (regular)