Crítica publicada em O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 01.06.1982
Uma exposição de artesanato
O Grupo Contadores de Estórias trouxe uma proposta muito bem definida com O Menino, o Velho e o Burro, uma adaptação para o interior brasileiro da fábula de la Fontaine: Marcos e Rachel Ribas resolveram contar para as crianças, uma história de maneira mansa, “como se estivéssemos ao pé da lareira”. Não há dúvida de que o clima manso é obtido e mantido durante o correr de todo o espetáculo. Entretanto, na busca de um tom tranquilo, os Contadores de Estórias optaram por um caminho perigoso, pouco teatral. E o que poderia ser um espetáculo excepcional, já que tem uma boa história e uma das mais perfeitas produções artesanais do teatro infantil carioca, acaba se frustrando à medida que a história perde sua força, pelo esquema da narrativa, e os maravilhosos elementos não têm uma função dramática, ficando limitados a um papel meramente decorativo.
O esquema definido pelos Contadores é o seguinte: um ator narra um pedaço da história para a plateia; a seguir, diz que vai “fazer a cena”, começam então (com a ajuda de um contrarregra) a arrumar os cenários e os bonecos, enquanto uma fita – através de uma gostosa música de Joyce – vai dando informações; com tudo pronto, o ator ainda repete um pouco certos dados trazidos pela fita; os dois atores manipulam um pouco os bonecos, mas, infelizmente, “não fazem a cena”, apenas dão uma pequena ilustração do que já foi anteriormente anunciado; a seguir, o narrador volta a contar mais um pedaço da história para a plateia. É o esquema se repete.
A forma adotada acabou trazendo inúmeros problemas para o espetáculo. As trocas de cenas com as demoradas mudanças de cenário criam tempos mortos (e a música não consegue preenchê-los) e determinam um ritmo absolutamente capenga. Pelo modo fracionado da narrativa, as fases da história vão perdendo o interesse, já que o tempo da arrumação dos cenários e da manipulação (não dramática) dos bonecos causa uma distância muito grande entre um pedaço da história e seu segmento. Tanto que o momento que fez a plateia ficar mais atenta no dia em que vi o espetáculo foi quando se contou a aposta da onça com o tamanduá; apesar de não ter existido ação, de ter sido uma história apenas narrada, o público ficou atento porque havia continuidade. Outro problema é que a participação dos bonecos, por ser apenas ilustrativa e não dramática acaba sem força suficiente para prender o espectador, apesar de toda a indiscutível beleza artesanal e apesar da expressividade de algumas imagens, como na cena do pernoite e da feira. O cansaço ainda cresce mais porque a encenação torna-se redundante; o ator conta uma vez, a fita acrescenta, faz-se uma ação com os bonecos que é uma repetição (resumidíssima) do que é narrado e o ator ainda repete o que disse a fita, vez por outra.
Mas a impressão mais forte que fica é a de que toda a forma limitada de ação dramática é causada pela presença de apenas dois manipuladores. Há momentos visíveis no espetáculo em que os bonecos têm uma participação menor do que poderiam porque seriam precisos mais manipuladores trabalhando simultaneamente. A impossibilidade de Marcos e Rachel de estarem ao mesmo tempo em mais de um lugar determina também sérios problemas de ritmo. E, além do mais, leva-se mais tempo montando e desmontando o cenário do que utilizando-o; por consequência fica-se com a frustração de que Rachel e Marcos levaram tanto tempo criando aquelas maravilhosas miniaturas apenas para realizarem uma rápida “exposição de artesanato”, em vez de integrarem esses elementos numa dinâmica teatral.
Pena que um espetáculo tão bem cuidado tenha sua comunicação tão prejudicada. De qualquer forma, boneco é uma coisa que sempre fascina as crianças.