Critica publicada na Revista Veja Rio
Por Casimiro Xavier de Mendonça – Rio de Janeiro – 04.12.1985
Futuro imperfeito
O Tempo e os Conways, numa bela encenação
Como um álbum de retratos antigos, a família Conway é apresentada ao público festejando o aniversário de Kay, a filha de 20 anos, que deseja tornar-se escritora. Como se a página fosse virada, a próxima cena avança vinte anos e a família tornou-se mesquinha e briga de modo violento. Num brilhante recurso teatral, a peça volta à festa inicial. Só então se torna claro que o maior interesse do inglês J. B. Priestley, autor de O Tempo e os Conways, em cartaz no Teatro Ipanema, no Rio de Janeiro, não é a descrição de uma tragédia familiar: ele traça é um fascinante raciocínio sobre a ação do tempo na vida das pessoas.
A dominadora figura materna Mrs. Conway, interpretada por Aracy Balabanian, acentua todas as atitudes que irão definir o caráter de seus seis filhos. Ao mesmo tempo é ela quem prevê para todos um futuro de sucessos que jamais se realizará. A Kay – uma bonita interpretação de Denise Weinberg, 29 anos – é que cabe a missão de transformar este drama realista de uma família de província na história de uma descoberta metafísica. É ela, com o auxílio do irmão Alan e de um soneto de William Blake, quem percebe que as pessoas não são simplesmente boas ou más, porém carregam sentimentos contraditórios ao longo de sua existência.
Escrita em 1937, O Tempo e os Conways tem sua ação indicada com clareza, logo depois da I Guerra, em 1919, e em 1939, na sufocante atmosfera que já anuncia uma próxima. Seus personagens, o retrato fiel de uma classe média do interior, poderiam tornar-se apenas a caricatura de uma família inglesa, com seus hábitos e sotaques. Isso não acontece. O diretor desta montagem, o carioca Eduardo Tolentino de Araújo, 30 anos, fundador do grupo Tapa, transformou o realismo fotográfico do roteiro numa espécie de realismo poético, com meios-tons que não deixam as situações definidas e que mostram um intenso clima emocional. Muitos atores da peça há longo tempo trabalham sob o comando de Araújo. Denise Weinberg, por exemplo, participa de suas peças há doze anos, é sua colaboradora desde épocas de teatro amador, e o mesmo acontece com Renato Icarahy, que, além de um dos filhos da família Conway, foi o tradutor da peça. De certa forma isto explica que Eduardo Tolentino tenha conseguido realizar marcações difíceis no palco – onde há momentos em que estão presentes dez pessoas – e obter cenas familiares com tocante intimidade.
O grupo Tapa já encenou Viúva, porém Honesta, de Nelson Rodrigues, uma premiadíssima versão musical de Pinóquio e várias montagens de textos brasileiros do século XIX. É com O Tempo e os Conways, entretanto, que se tornam visíveis a versatilidade e o nível de interpretação do grupo. Os figurinos são requintados, há uma bela iluminação e esta montagem demonstra que não é simplesmente a ação que faz uma peça tornar-se bem encenada. Neste caso são as pausas e a bela atmosfera de cena que ajudam o público a envolver-se com os Conways.