Cena de Jonas e a Baleia, a peça mais do Tablado. Foto Fábio Seixo

Ilustração de André Melo

  Matéria publicada em O Globo – Segundo Caderno
Por Mànya Millen e Roberta Oliveira – Rio de Janeiro – 21.04.2001

Cacá Mourthé (a esquerda), Maria Clara Machado e Karen Acioly, três nomes que garantem boas peças em meio a um panorama desolador. Foto Ana Branco

Em As Artimanhas de Molière, Nosconosco celebra dez anos

Triste Cena Infantil

Sem prêmios e patrocinadores, teatro para crianças passa por momento de crise. Em 2001 Maria Clara Machado completa 80 anos e o Tablado, meio século de vida. Entretanto o Binômio que se transformou em parâmetro de qualidade para o teatro infantil corre o risco de ver suas datas – marco passarem em branco. Desde o ano passado, a diretora Cacá Mourthé, sobrinha de Maria Clara e hoje uma das responsáveis pelo teatro que formou diversas gerações de plateia e atores, vem procurando patrocínio, junto a empresas e ao poder público, para celebrar as datas com a importância que lhes é devida. Sem sucesso.

É muito triste ver que um grupo de teatro tão importante para o Brasil pode completar 50 anos em brancas nuvens – lamenta Cacá, que também tem dificuldades para conseguir patrocínio para os espetáculos do Tablado. – É uma pena que estejamos nessa falência cultural.

Artistas que marcaram anos 90 sumiram dos roteiros.

O cenário desanimador para o teatro infantil, que se repete além das fronteiras do Tablado, começou a se formar com o fim dos prêmios para a área (Coca-Cola e Mambembe) e o recuo das empresas patrocinadoras, fazendo com que diretores e grupos cariocas que tornaram esse segmento motivo orgulho nos anos 90 sumissem dos roteiros da agenda cultural e diversificassem suas atividades.

– No momento eu não saberia por onde começar para montar um espetáculo infantil. Bateu um grande cansaço de matar um leão por dia – desabafa Dudu Sandroni, diretor de sucessos de crítica e de público como Ludi na TV e Aladim, sua última peça, montada há dois anos. – Vou virar diretor de cinema, porque mensalmente estão sendo abertas várias linhas de crédito para curtas-metragens.

Menos radical que Sandroni, que já tem um roteiro pronto para ser filmado, a atriz, autora e diretora Teresa Frota continua a escrever, mas agora para televisão. Depois de ver espetáculos seus como A Rainha Alérgica e Os Impagáveis conquistarem prêmios, Teresa passou a ter dificuldades para encenar seus textos e deixou o teatro infantil.

– As pessoas perderam o interesse no nosso trabalho. A televisão me solicitou e eu fui – resume ela. – Continuo a escrever, e prefiro isso do que ceder à pressão de ter que escalar um rosto da mídia para uma peça só para conseguir patrocínio. Corremos o risco de ter de volta o teatro infantilóide. É o caminho mais fácil: um teatrinho de fundo de quintal como antigamente.

Branca de Neve não está em cartaz no momento, mas outros personagens mais que conhecidos de contos clássicos e desenhos animados tomam conta de boa parte do roteiro de quase 50 espetáculos à vista. Sim, falar em crise quando há tantas peças pode parecer contraditório. Mas Antonio Carlos Bernardes, presidente do Centro Brasileiro de Teatro para a Infância e Juventude (CBTIJ) lembra que nem sempre qualidade corresponde quantidade:

– A qualidade não acabou, mas diminuiu muito. O que aconteceu é que, sem subsídios e sem o estímulo dos prêmios, o nível de produção de grandes espetáculos com grandes atores e diretores especializados caiu.

Município ganha coordenadoria de teatro infanto-juvenil

Embora o desânimo seja geral, o quadro pode começar a mudar em breve: enquanto a secretária estadual de Cultura, Helena Severo, promete incluir o teatro infantil na nova política de ocupação, o secretário municipal das Culturas, Artur da Távola, anunciou a criação da coordenadoria de teatro infanto-juvenil, uma seção inédita na história cultural da cidade. Para o cargo foi nomeada a diretora Karen Acioly, que nos últimos anos transformou o Centro Cultural Light em uma referência para o teatro dedicado às crianças.

– Estamos num momento muito transformador, no ponto de ebulição e acho que toda essa crise faz crescer – diz Karen, que, apesar de não poder anunciar os planos da coordenadoria porque os projetos ainda não foram aprovados, está bastante otimista. – Prefiro falar como criadora e, nesse sentido, não posso ser pessimista se estou com um novo espetáculo sendo produzido (Os Meus Balões, que estreia em junho) e um livro para ser publicado (o texto de Iluminando a História, que será editado pela Salamandra juntamente com um CD).

Geração Coca-Cola segue em frente

Fim do patrocínio da empresa diminuiu mas não acabou com a qualidade

Embora o fim do maior prêmio para o teatro infantil, o Coca-Cola (que durou entre 1988 e 1999), seja apontado como o grande balde de água fria jogado no ânimo da classe – que reclama também da falta de espaço na mídia e do desprezo vindo dos seus próprios pares no teatro adulto – os diretores reconhecem que um prêmio não pode funcionar como o único balizador da produção. Nomes como a atriz, autora e diretora Mônica Biel, que junto com a parceira de palco Ana Barroso, criou a hilariante dupla de palhaços Lasanha e Ravióli (protagonistas de A História de Topetudo, entre outras peças), lembra que nunca parou de fazer teatro infantil.

– Fazer teatro é difícil e sempre foi difícil, mesmo com o Coca-Cola, que acabava beneficiando pouca gente – observa Mônica. – Os prêmios são importantes, incentivam, mas acho que o teatro infantil continua forte.

Para o diretor Carlos Augusto Nazareth, um dos participantes desse recente período áureo do teatro infantil que decidiu dar uma parada em suas produções próprias, a onipresença da multinacional acabou invertendo papéis:

– A entrada da Coca-Cola foi ótima, mas o grande erro é que nós artistas não aproveitamos essa força que nos foi dada. Passamos a ser guiados pela estética da multinacional. Para conseguir patrocínio, os espetáculos eram criados de acordo com o padrão ditado por eles. Temos que ter patrocínios diversificados, privados ou dos governos, mas a criação tem que estar nas mãos do artista.

Coleção para preservar em livro as boas peças

Nazareth encontrou um jeito de preservar, na memória do público, os bons espetáculos que frequentaram os roteiros das últimas décadas. No próximo dia 23 lança, no SESC Tijuca, a coleção Vertente Teatral (EDC Editora), com textos de seis peças, entre elas História de Lenços e Ventos, do veterano Ilo Krugli, e Tudo por um Fio, de Maria Clara Machado e Cacá Mourthé.

– Estamos publicando textos que tenham substância também para serem lidos – diz Nazareth, que tem um texto seu, o O Pássaro do Limo Verde, na coleção, e vai rodar o circuito SESC participando de rodas de leitura.

O SESC, aliás, tornou-se parceiro do teatro infanto-juvenil abrigando no momento, em todo o seu circuito, uma mostra de espetáculos selecionados pelo CBTIJ apenas entre seus associados. Algo que também é criticado por alguns criadores. O grande mérito da mostra, entretanto, é deslocar o teatro da Zona Sul, tradicional, cobiçada mas cara vitrine, tanto para quem consome como para quem faz. Por essas e outras, a atriz e produtora Márcia Frederico, com sua premiada Cia. de Teatro Medieval, investiu na solução de mostrar seu trabalho em um circuito menos iluminado, em outras cidades e estados, através de espetáculos com contratos previamente fechados, sem depender da bilheteria. Isso não quer dizer que Márcia tenha parado de criar.

– Pelo contrário, é uma solução que mantém a companhia unida aumentando o seu repertório – conta ela, que teve o texto de O Segredo bem Guardado incluído na coleção Vertente Teatral. – Não é a solução que tem mais visibilidade, mas temos a obrigação de sermos criativos na busca de recursos.

Em termos de patrocínio é sabido que quase todas as empresas foram migrando seus investimentos para a área de projetos sociais. E se o teatro adulto perdeu espaço, o infantil perdeu ainda mais. O prêmio Shell de Teatro, por exemplo, apesar de homenagear Maria Clara Machado na próxima segunda-feira, no Copacabana Palace, durante a festa em que vai anunciar os vencedores do ano de 2000, não pensa em patrocinar espetáculos infantis ou incluir mais uma categoria dedicada à área, como informa Simone Guimarães, coordenadora de investimentos sociais da empresa.

O diretor e autor Henrique Tavares, que em 1993 estreou nos palcos com o despretensioso De como Quase Tudo deu Errado, e seguiu outras boas peças para crianças, preferiu jogar temporariamente a casaca nessa área e voltar suas baterias para o adulto. Em cartaz com Bárbara não lhe Adora, ele e seu grupo decidiram mudar o rumo quando perceberam que o retorno (em termos de prestígio e dinheiro) estava minguando, em 1988.

– Decidimos fazer uma parada estratégica pela ausência de estímulos – diz Henrique. – Hoje pessoas pegam carona em histórias conhecidas que as crianças leem diversas vezes antes de dormir, ou nos filmes da Disney. É horrível.

Companhia mantém sua força através da união

Célia Bispo, com sua Companhia Teatral Nosconosco, que já existe há dez anos, é uma das incansáveis batalhadoras do teatro infantil. Professora de um núcleo de teatro na UERJ, em que ela trabalha também com a comunidade, Célia lamenta a ausência de incentivos mas mantém sua trupe funcionando com regularidade. Eles acabaram de estrear, no Teatro SESI, As Artimanhas de Molière.

– Montamos as peças porque fazemos praticamente tudo, de costura ao cenário – conta ela. – Há uma bola de neve, um círculo vicioso, onde a não valorização do profissional vem junto com a decadência das produções. O que falta é uma política de apoio cultural bem mais ampla