Jornal do Brasil – Caderno B
Por Carlos Augusto Nazareth – Rio de Janeiro – 28.12.2005

Para onde vão as crianças?

Com meninos de 6 a 9 anos trocando o teatro infantil por outras atividades, é preciso intensificar as ações de formação de plateia.

Balanço do ano – Teatro Infantil

Foi um ano difícil para o teatro infantil. Ainda assim, algumas ações importantes foram realizadas. Continua se expandindo o projeto SESC CBTIJ, que leva teatro a locais distantes do centro nervoso do Rio; o Centro de Referência do Teatro Infantil promoveu o III Encontro de Linguagens, com numerosos espetáculos e mesas de debates; a Funarte manteve o Prêmio Nacional de Dramaturgia; a companhia de Ana Barroso e Mônica Biel, com seus já conhecidos clowns Lasanha e Ravióli, representou com sucesso o teatro brasileiro em encontro internacional realizado no Canadá.

No entanto, persiste o risco de o teatro infantil perder grande parte de seu público no futuro, já que o processo de formação de plateia continua pífio. As causas são muitas. Uma delas decorre da escassez de patrocínio, que propicia o surgimento de produções de fundo de quintal que acabam tomando a pauta dos teatros. Sem indicadores sobre a qualidade das montagens em cartaz, devido ao restrito espaço reservado pela mídia ao teatro infanto-juvenil, pais e professores se sentem perdidos na hora de recomendar um espetáculo. De modo que as discussões sobre a qualidade em teatro para crianças ainda se limitam à classe artística.

É comum se dizer que o que se aprende, quando criança, fica de modo indelével na memória. E aprendizado aqui é tomado no sentido amplo de experenciação de qualquer tipo de manifestação da mente ou do espírito. Nesta era cibernética, o teatro é, pois, um dos focos de resistência para que sejam desenvolvidas as qualidades do humano, do sensível, do artístico. E já nem cabe mais, hoje, questionar o quanto à arte é fundamental para a formação do ser humano.

A questão é: o que fazer para que esta atividade se desenvolva e se torne um hábito, contribuindo, enquanto arte, para a formação da criança? É preciso que os espaços de discussão se multipliquem, seja na mídia, nas próprias escolas – com debates e workshops que envolvam profissionais, pais e professores – ou no meio acadêmico. E esta é uma questão não só do teatro, mas também da literatura infantil. Há um único mestrado em literatura infantil no Brasil, em Santa Catarina. Nos nossos cursos de graduação e mestrado em teatro o teatro infantil é praticamente ignorado.

Ações que dependem de vontade política precisam ser desenvolvidas continuamente para que a médio prazo se consiga algum resultado. Patrocínios voltados para este segmento da produção teatral, prêmios que diferenciem os profissionais e os trabalhos de maior qualidade são essenciais.

É fundamental também, no processo de formação de plateia, a interiorização de uma atividade teatral que vá além da zona nobre da cidade, a inter-relação arte-escola sem ranços didáticos ou pedagógicos. A faixa etária do público infantil que frequenta o teatro hoje vai dos poucos meses de idade até 4 ou 5 anos. Onde está o público infantil de 6 a 9 anos? Esses meninos não estão mais indo ao teatro. Daí entendermos que há urgência de se pesquisar, avaliar e diagnosticar essa defasagem para que possamos ajustar o teatro infanto-juvenil a seu público e este volte a ocupar as casas de espetáculos.

Hoje, se temos alguns poucos bons espetáculos, estes são fruto do trabalho daqueles que acreditam na arte, na criança, e brigam com várias armas contra as inúmeras adversidades. En tre esses espetáculos que estiveram em carta – em 2005, dez deles podem ser apontados como os melhores da temporada: Os diferentes, do grupo Hombu; Infância, de Karen Acioly; As aventuras de Robinson Crusoé, com direção de João Ba tista; A aranha arranha a jarra, a jarra arranha o trava-língua, de Demétrio Nicolau; Estação Drummond, da Cia. De Teatro Medieval; Mamãe como eu nasci, de Antônio Carlos Bernardes; Uma história para Calibã, com direção de Beto Brown; Um conto para Rosa, com direção de Nara Keiserman; Quixote, de Cláudio Sássil; e As novas molecagens do vovô, de Márcio Trigo.

Vale ainda destacar o trabalho da atriz Josie Antello em Estação Drummond, onde interpreta o poeta menino, e o de Eduardo Rieche na difícil composição solo como Robinson Crusoé. As direções de Demétrio Nicolau e Karen Acioly também se destacaram na temporada.