O elenco de A menina da Lagoa é carismático e expressivo. Fotos: Marcelo Kahn

A tradição da renda de bilro está em A menina da Lagoa

Crítica publicada no Site da Revista Crescer
Por Dib Carneiro Neto – São Paulo – 24.03.2017

O que seria do teatro infantil sem a cultura popular?

A Menina da Lagoa e Cordel Fabuloso são mais duas boas peças para crianças que divulgam mitos, fábulas e lendas de tradição oral

Lendas, mitos e fábulas sempre vão se dar bem nos palcos. O teatro para crianças felizmente não se cansa de beber nas fontes da cultura popular e nos contos de tradição oral. As peças acabam caindo no gosto do público e também das escolas, atraídas pelo que chamam de “aproveitamento” escolar do espetáculo. Comento hoje duas atrações em cartaz em São Paulo que exploram muito bem essa vertente: A Menina da Lagoa, com os grupos Conto em Cantos e A Hora da História, e Cordel Fabuloso, com o Grupo Careta.

A Menina da Lagoa, até o dia 29 no Teatro Arthur Azevedo, na Mooca, foi beber na fonte de histórias recolhidas em Florianópolis, todas muito fartas em bruxas. A diretora, atriz e dramaturga Juliana Offenbecker viajou até lá e trouxe na bagagem a lenda da Costa da Lagoa, sobre uma menina, reclusa em casa até fazer 7 anos, que ficou marcada pela crença de que teria nascido bruxa. Os mistérios e magias do povo ‘manezinho’, como a população nativa de Florianópolis é carinhosamente chamada, estão presentes no lindo espetáculo, que ainda cita a festa do boi de mamão, a tradição da renda de bilro e da construção de barcos.

É uma produção de muito bom gosto, com um elenco impecável, muito expressivo e carismático, formado só por mulheres: Camila Andrade, Juliana Offenbecker, Natália Grisi e Priscila Harder. Um time que nos encanta do começo ao fim da peça. A direção às vezes deixa o ritmo se arrastar um pouco, mas nada que comprometa o envolvimento das crianças com o suspense da fábula. A trilha sonora de Camila Cassis e Luciano Antonio Carvalho é uma forte aliada, e nem poderia deixar de ser, em um espetáculo calcado na oralidade de um povo.

Silvana Marcondes caprichou na direção de arte, com figurinos ricos em informação, cenografia criativa e uso esperto de adereços e bonecos ao longo da trama, como uma cobra gigante e até uma bernúncia, “bicho” que faz parte do boi mamão, mas é exclusivo de Santa Catarina, com sua boca grande para comer crianças malcriadas. Na cena em que crianças da plateia são convidadas a subir no palco, a bernúncia tem uma participação especial muito divertida.

Cordel Fabuloso, por sua vez, em cartaz até 1.º de abril no Espaço Parlapatões, junta com graça e inteligência as fábulas de Esopo com o gênero brasileiríssimo do cordel. Ótima sacada. A harmonização entre os dois “gêneros”, por assim dizer, é perfeita, muito bem explorada. Recontar as fábulas com a riqueza rítmica de um cordel resultou em um espetáculo alegre, de ótimo astral, contagiante. Claro, toda fábula termina com uma “lição de moral” e isso também foi preservado, mas não de forma chata. Ao contrário, o elenco brinca e canta o tempo todo, impedindo que predominem ranços catequéticos. Há deliciosos momentos de humor, boas canções originais (executadas ao vivo) e figurinos (Milton Fucci) de um colorido vibrante, perfeitamente coerentes com a euforia da peça dirigida por Lívia Simardi, que também está no elenco ao lado de um bom time: Luizinho Beltrame, Alberto Vizoso, Yves Carrasco, Marcelo Jacob e Patrícia Palhares.

Ah, e o enredo (texto de Octávio da Matta) não poderia ser mais encantador: Cora e Nina, duas garotas que precisam transportar um baú repleto de contos, percebem no caminho que já não suportam tamanho peso e decidem dividir algumas das fábulas com a plateia, a fim de facilitar o transporte da bagagem. Irresistível e com ótima fluência narrativa.

Serviços:

A Menina da Lagoa

Teatro Arthur Azevedo
Av. Paes de Barros, 955 – Mooca, São Paulo
Telefone: (11) 2605-8007
Domingo (dia 26/3), às 16h. Ingressos: R$10,00 (inteira) / R$ 5,00 (meia)

Cordel Fabuloso

Espaço Parlapatões
Praça Roosevelt, 194
Telefone: (11) 3258-4449
Sábados, às 17h
Ingressos: R$ 30 inteira/ R$ 15 meia
Temporada: De 28 de janeiro a 1º de abril de 2017