Carlos Augusto Nazareth

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Projeto Encontros & Oficinas

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Desde Pequeno

A primeira vez que eu entrei em um teatro, foi pelos bastidores. Era o Teatro Municipal onde fui assistir um ensaio de ópera, mas o teatro estava todo

Eu tinha quatro anos e esta imagem jamais saiu da minha cabeça. Era um mundo mágico.

Convivo com arte desde muito pequeno. A música, com a raiz do Ernesto Nazareth, primo de meu avô paterno gerou pianistas, cantores de ópera, concertistas.
Por outro lado, o circo, por parte de meu avo materno e o teatro sempre estiveram presentes através da família Nazareth. O teatro vem com o ator Cândido Nazareth, avô de Zilka Salaberry.
A arte é parte integrante da minha formação.

Mas eu não consegui fazer teatro desde cedo, como queria, por mil razões. Primeiro eu tive que me tornar uma pessoa financeiramente independente, para depois fazer teatro, por causa, ainda, do preconceito, das expectativas burguesas da família; mas desde os dez anos eu sabia que queria fazer teatro.

Mas só adulto consegui realizar isto, fazer carreira e sobreviver só de teatro. Eu orgulhosamente posso dizer que, hoje, vivo exclusivamente de teatro, do meu ofício e também da literatura, meu outro ofício e de todas as atividades correlatas, claro.

Um Marco: Tá na Rua

Meu caminho começou pela literatura. Sou formado em letras e dei aulas também durante muitos anos, mas o teatro sempre esteve presente em minha vida. Nos anos 70 eu ia com meus alunos ao Tablado, eles conversavam com a Maria Clara Machado, se encantavam. Eu trabalhava sempre com o teatro em sala de aula – uma coisa que ninguém fazia naquela época.

Até que num determinado momento eu fui parar no Tá na Rua. Fui fazer uma oficina que acontecia todas as segundas-feiras na Casa do Estudante Universitário e que era aberto ao público. Fiquei encantado e comecei a ir sistematicamente. Fiz aulas de corpo, voz e interpretação, como faziam todos os do chamado Instituto Tá na Rua. Fui cada vez mais me envolvendo com o teatro, até que fomos para o Teatro Villa Lobos, num período em que as companhias ocupavam e administravam os teatros, num projeto do Amir Haddad, chamado Novos Rumos, Novas Caras.

Mas minha carreira começou, profissionalmente, quando comecei a escrever para teatro. Foi o meu primeiro passo. Mas foi o Tá na Rua e principalmente o Amir Haddad, meu mestre, que definitivamente me fizeram sentir a paixão pelo teatro. Paixão que o Amir transpira. Comecei então a me inscrever em todos os cursos de teatro. Até curso de iluminação eu fiz com o Maneco Quinderé, no início da carreira dele. Comecei também a acompanhar as direções, as produções. Era um prazer carregar cenário, operar luz e som, passar figurinos, varrer o palco, enfim, fazer de tudo. Viver teatro, respirar teatro.

Esta experiência diversificada depois me ajudou muito quando comecei a dirigir; porque eu tinha a carpintaria do texto, do fazer teatral e de toda a mecânica da parte técnica. Da criação do texto até os aplausos finais eu passei por todos os seguimentos do teatro – operava luz, som, produzia. Mesmo assim, quando adaptei meu primeiro texto para teatro, chamado Cecília – um texto de Cecília Meireles, achei que ainda não era o momento ainda de dirigir e quem dirigiu foi Alice Koënow.

Mas em 1990, acabei tomando coragem e dirigi um texto original meu A História de Tony e Clóvis. Meu avô foi dono de circo, então o universo do circo sempre povoou a minha infância. Eu fazia parte daquele universo; um dia apenas coloquei aquilo no papel as histórias que ouvia de minha mãe e de meu avô sobre Arrelia, Chincharrão. Viajei muito com este espetáculo e começamos a ganhar prêmios. Foi dando certo e as pessoas foram me estimulando e eu fui aceitando tudo como um desafio. Foi um processo natural, como se já estivesse pré-determinado.

Preferência em Dirigir os Próprios Textos

Na realidade, hoje em dia, o que eu mais gosto é de dirigir. Escrevo, dou aula de dramaturgia, faço crítica, produzo, tenho uma atividade acadêmica, mas se eu pudesse, só dirigiria e gosto de dirigir meus próprios textos.

Eu já tive experiência de dirigir textos de outros autores, mas não é tão prazeroso. Considero-me um contador de histórias. Começo a pensar nas histórias, a contá-las no papel, me apaixono por elas e termino de contá-las no palco. É um processo. Parte de uma ideia, pela qual eu me apaixono, até a realização do espetáculo. É um percurso que eu vivo durante dois, três anos, às vezes mais; pesquiso, leio, estudo, tudo isto faz parte de um processo contínuo muito pessoal.

Quando você encena um texto de outra pessoa, você tem que “penetrar” naquele universo de maneira muito rápida, para meu ritmo.

Eu acho que nunca consigo dizer tudo aquilo que eu quero em uma peça. Quando estou dirigindo, eu estou dizendo alguma coisa, que pra mim é muito importante falar sobre. Tenho necessidade de falar de muitas coisas para o público ao qual me dirijo e que eu elegi como meu público – a criança – então é um privilégio poder escrever, produzir e dirigir meus próprios textos.

É um privilégio, mas é um terror também. É muito autoral e solitário. Uma coisa prazerosa, mas que também tortura, porque se ficar ótimo, bom, ruim ou péssimo, a responsabilidade é toda minha. É a minha expressão, porque sou eu que estou no palco, no texto e na ação. Eu estou ali no palco. Nu.

Dirigir é muito prazeroso. O momento da criação é muito claro. Você inventa, cria e tudo de modo mágico, fascinante. Embora a técnica esteja ali, o “insight” é o grande momento criador. Já o trabalho do escritor é mais solitário. Surge uma ideia e você se interroga. Será que é boa ou não? É por isso que eu não consigo dirigir o que não é meu. Porque eu sinto a necessidade de interferir na obra e não tenho essa possibilidade com um texto que não é meu.

Sou muito perfeccionista, exigente e chato, comigo e com todos que trabalham comigo. Quando a produção é sua, você tem controle sobre tudo, mas na produção dos outros é complicado.

Um Bom Período

Tivemos no final dos anos oitenta até meados dos anos noventa um período importantíssimo, em que deu para perceber que o teatro infantil pode ter uma qualidade excepcional. Não apenas porque havia patrocínio, prêmios, mais espaço na mídia, mais público, mas porque havia mais paixão, eu acho.

Uma série de fatores criou uma situação propícia, que motivou o interesse dos profissionais de estar entre os melhores. Nesse período foram realizados espetáculos lindíssimos, mas eu acho que a classe errou ao se acostumar com o patrocínio paternalista de uma só empresa multinacional. A classe não aproveitou esse momento forte do teatro infantil para tomá-lo em suas próprias mãos e dizer: “Bem, já que estamos fortes, vamos nos juntar e seguir em frente com nossas próprias pernas.”

Quando acabou o patrocínio e os prêmios, o teatro para infância teve um esvaziamento total. E até hoje estamos tentando desesperadamente sair deste vazio. Buscando um caminho de qualidade e também prazeroso e fértil, como foi durante os dez anos do Projeto Coca-Cola, que foi um projeto maravilhoso, inegavelmente.

Jornalismo

Trabalhar com jornalismo também foi importantíssimo em minha vida de diferentes maneiras. Em primeiro lugar as pessoas começaram a perceber que, além de criar, eu também pensava sobre o que criava. Tinha um corpo teórico.

Lancei o Jornal Vertente, que teve uma repercussão excepcional. Não era um jornal para o grande público, mas um jornal dirigido aos professores, pais, artistas, educadores. Chegamos a ter quinze mil exemplares por mês com vinte páginas, distribuídos em cem pontos diferentes. Escrevia no jornal, a nata da literatura e do teatro infantil. Eu tenho um acervo maravilhoso de entrevistas com grandes nomes e foi muito importante ter um espaço para você pensar, expor o seu pensamento e sua prática artística. E de todas as formas de expressão e não só teatro e literatura. Havia música, artes plásticas, vídeo, cinema, contação de história e por aí ia.

Luta Para Mudar

O fato de ter começado a fazer crítica no Jornal do Brasil (já havia feito antes no Jornal do Comércio, no próprio Vertente) fez com que eu voltasse a assistir toda a produção teatral. E isso acabou me deixando estarrecido pelo que eu estava vendo. Achei que tinha que fazer alguma coisa.

O CBTIJ desenvolve inúmeras ações, mas precisávamos fazer alguma coisa a mais para agregar a esse movimento e fazer algo em prol da qualidade do teatro infantil. Resolvi criar um centro de pesquisas e estudos para o teatro infantil, o CEPETIN. A ideia é criar um espaço de reflexão sobre a prática teatral voltada para a criança. A professora e coordenadora dos cursos de Pós-graduação em Letras da UFF adotou a ideia e fizemos uma parceria institucional, criamos o Curso de Extensão Universitária em Teatro Infantil Brasileiro.

Pela primeira vez, numa Universidade, tivemos uma discussão sobre o teatro infantil e fizemos um seminário sobre literatura e teatro infantil. Iniciamos o Fórum Permanente de Dramaturgia, em parceria com a Casa da Leitura, onde selecionamos textos para leitura e discussões. Levamos a literatura dramática para o Salão do Livro da Fundação Nacional do Livro Infantil e no final do ano publicamos dois textos teatrais infantis na coleção Cepetin de Teatro Infantil, que estão sendo vendidos e distribuídos para bibliotecas de todo o país.

As editoras são absolutamente categóricas em não publicar textos até de autores que têm prestígio muito grande como autores de literatura infantil. Não publicam porque dizem que não vende.

No Brasil quem compra livros para a escola é o governo. Se o livro de teatro não for adotado pela escola, como o de literatura infantil, não há venda e se os livros de dramaturgia não vendem, as editoras não publicam. Assim, as escolas não têm como utilizar o texto teatral em sala. Então temos que fazer uma árdua campanha da leitura do texto teatral em sala de aula, que é literatura – literatura dramática – uma história que está sendo contada. É por isso que o CEPETIN resolveu publicar textos teatrais, a partir dos textos lidos e debatidos no Fórum Permanente de Dramaturgia.

Quantidade, mas não Qualidade

Há finais de semana que encontramos quarenta, cinquenta espetáculos infantis em cartaz. Mas esta quantidade de espetáculos não significa qualidade. Resolvemos então dar um estímulo para quem faz com qualidade e criamos um prêmio. O prêmio Zilka Sallaberry de Teatro Infantil.

Criamos o prêmio na cara e na coragem. Procurei pessoas que já assistiam teatro infantil, o Bernardes do CBTIJ, Isabel Butcher da Veja Rio e a Maria Helena Khüner, que são pessoas que já respeitadas pela classe e eles toparam o desafio. Só depois de um bom tempo é que conseguimos o patrocínio da OI.

Resolvi dar o nome da Zilka Salaberry ao prêmio pela grande atriz que foi e pelo fato de sua carreira estar ligada às crianças, através do Sítio do Pica Pau Amarelo, do Teatrinho Trol, e, de certa forma, a Monteiro Lobato.

Infelizmente a quantidade de espetáculos bons é muito pouca, e isso provoca uma estética perversa; a criança se habitua a ver espetáculos ruins. Já temos esse problema com a televisão. O bom teatro tem que oferecer uma coisa diferente – essencialmente teatro – e de extrema qualidade. Você não vai conseguir tirar a criança da frente da televisão e nem da internet, se ela não gostar especialmente dos espetáculos aos quais assiste. E nem adianta pensar em querer competir usando a linguagem da mídia eletrônica.

A Arte e a Criança

E o que é qualidade em arte? Estamos procurando travar uma discussão séria a esse respeito, porque é muito difícil se estabelecer parâmetros em Arte.

Quando você faz uma crítica, por exemplo, esta tem uma subjetividade muito grande. É a sua visão, em um determinado momento, de um determinado de dia, que depende das histórias daqueles atores e toda história daquele grupo, da sua própria história e bagagem. Então você emite uma opinião, sugere, comenta e tenta provocar uma reflexão.

A visão que se tem da critica é muito equivocada. Se um crítico escreve e o diretor discorda, o autor diverge e outro crítico diz o contrário, a crítica já cumpriu, aí, sua função – gerar discussão para provocar reflexão.

O importante é você ler, pensar e ver se descobre o motivo pelo qual o crítico escreveu aquilo. E não tem que concordar. Pensar – essa é a função. Mas é difícil que você faça com que as pessoas encarem a crítica desta forma. É complicado.

Vinte anos atrás, Lídia Kosovski, me disse uma frase que me norteou e ainda me norteia: “Enquanto a gente não olhar o teatro infantil como uma obra de arte nada vai acontecer”. O teatro infantil também não pode ser visto como um fenômeno isolado; tem que ser visto dentro do todo do Teatro, que, por sua vez está inserido dentro de uma situação sociocultural nacional e internacional.

É necessário criar uma efervescência, um pacto artístico-cultural, para que as pessoas valorizem o teatro infantil, na verdade, que valorizem, a Arte, em qualquer de suas expressões, como elemento essencial na formação do ser humano.

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Participação em Espetáculos para Crianças e Jovens

Como Autor

1989 – Cecília, texto a partir de Cecília Meireles, direção Alice Koënow

Como Autor e Diretor

1991 – A História de Tony e Clóvis
1992 – O Misterioso Rapto de Flor do Sereno
1994 – O Pássaro do Limo Verde
1997 – O Menino Detrás das Nuvens
2004 – O Menino Detrás das Nuvens

Como Diretor

1995 – Petruska, da obra de  Igor Stravinsky, Alexandre Benois e Michel Fokine
2002 – O Cavalo Transparente, texto de Sylvia Orthof
2005 – As Incríveis Aventuras de Zé Grande e Seu Fiel Companheiro Manduca, da obra de Haroldo Bruno
2007 – Viajante das Estrelas, texto de Silvana Lima

Livros Publicados

O Pássaro do Limo Verde – Memórias Futuras
A História de Tony e Clóvis – Nova Fronteira (Prêmio Altamente Recomendável – FNLIJ)
O Menino Detrás das Nuvens – Contos – EDC
O Menino Detrás das Nuvens – Teatro – EDC (Prêmio Altamente Recomendável – FNLIJ)
Coleção Vertente Teatral, Coordenação – EDC (Prêmio Altamente Recomendável – FNLIJ)
O Pássaro do Limo Verde, Narração – Ilustração Elvira Vigna – Franco Editora
Filomena, Novela Infanto-Juvenil – DCL Editora
O Que é Qualidade em Literatura Infantil, Organização Leda Oliveira – DCL Editora

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Depoimento dado no Teatro Cacilda Becker, para o Projeto Encontros e Oficinas, em 05 de setembro de 2006,.