Solange, Gustavo (de pé) e o resto do elenco: força do humor

Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 13.09.1997

 

 

Barra

Dilúvio de boas ideias em puro ‘show business’

Um bom enredo, bonitas canções, músicas e dança a altura da performance, figurinos numeroso e agradáveis ao primeiro cast enxuto multiplicando personagens, linha de coro afinada: that’s enternaiment! A descrição que se encaixa perfeitamente em mais um show da Broadway serve na medida para A Arca de Noé, espetáculo que lota, como há muito não se via, o Teatro Villa-Lobos. A megaprodução, feita com um orçamento infinitamente menor do que se imagina, é o que se pode chamar de a vitória de criatividade, e, sendo assim, viva a criatividade!

Thereza Falcão, conhecida autora e diretora de espetáculos mais intimistas, como A História de Tupetudo, investe neste supermusical com rara competência. Seu texto bem-humorado, ainda que muito bem estruturado, serve muito mais a linha do espetáculo propriamente dito do que a história contada. A estratégia inovadora traz ao palco o toque de show business que estava faltando no teatro feito para crianças. A plateia agradece.

Usando o tema bíblico já conhecido, Thereza acrescenta à história do dilúvio tramas paralelas de humor, como a do casal de baratas que tenta burlar a vigilância da senhora Noé, não muito apreciadora desse tipo de inseto. Muito interessante também é a ideia de não embarcar só casais na arca, mas conjuntos de animais, como a turma das ovelhas, que vem até com uma ovelha negra de reboque.

Se o enredo traz essas ousadias, a direção da própria autora, em parceria com Isabela Secchin, supera as expectativas. O imenso palco do Villa – Lobos não fica vazio um só momento. Com excelente trilha musical de Marcelo Neves super coreografada por Beth Martins, o espetáculo é todo amarrado, sem espaço para dispersão da atenção, mesmo das crianças menores.

No palco acontece de tudo. O embarque de Noé numa imensa arca cenográfica, assinada por Sérgio Marimba, vem acompanhada de chuva de verdade. A iluminação de Jorginho de Carvalho recorta a cena criando os muitos ambientes da história. O numeroso cast, vestido por Rosa Magalhães na linha crítica do humor, tem identificação imediata na plateia. E como se não bastasse, a moldura da cena é feita com bailarinos acrobatas que se despencam do teto do teatro, causando o tão esperado efeito surpresa. Um susto teatral apreciado pelo público de qualquer idade. No final, um anjo, quase o de Barbarella, se balança no alto da boca de cena abençoando a plateia.

Com tantos atributos, o espetáculo poderia até ter ator cenográfico, como o das grandes produções, mas isso não acontece. Para provar que mesmo no teatro de muitos efeitos a performance é indispensável, Gustavo Gasparini e Solange Badim interpretam o casal Noé e Noelza com toda a força do humor. Em contraponto, como simpáticos antagonistas, Carlos Loffler e Inês Cardoso formam o casal de baratas que conquista o público. A vitória dos indesejáveis é muito bem-vinda neste alegre musical que invade a cidade. Co diz a autora Thereza Falcão, “depois de tanta tempestade, o dilúvio”. Um dilúvio de boas ideias que se consagra no palco e vai para casa junto com o público. Imperdível.

Cotação: 4 estrelas (Excelente)