Crítica publicada em O Globo – Segundo Caderno
Por Marília Coelho Sampaio – Rio de Janeiro – 30.04.2005
Zigg, Zogg, a Mosca e os Jornais: Falta de história não prejudica peça calcada no trabalho dos atores.
Uma linguagem diferente para o público infantil
A primeira coisa que chama a atenção no espetáculo Zigg, Zogg, a Mosca e os Jornais, em cartaz no Teatro SESI, é o predomínio do preto e do branco no figurino e no cenário, que é composto apenas por alguns jornais empilhados. Depois desse primeiro impacto, o público ainda é surpreendido pela ausência de palavras na peça e por uma trilha sonora que nada tem em comum com aquelas que as crianças estão acostumadas a ouvir nas montagens infantis.
O espetáculo é divulgado pela Cia. 2 de Teatro como a história de Zigg e Zogg, dois personagens que, perdidos num mundo em preto e branco, descobrem a alegria de viver através da criatividade. Na montagem, esse enredo não fica tão claro. A peça é uma colagem de cenas, em que os atores, misturando elementos da mímica e do trabalho de clown, criam pequenas histórias. Algumas, mais bem estruturadas do que as outras, como a do efeito de chuva. Sob um temporal, Zigg decide criar um guarda-chuva imaginário e só aí descobre que Zogg possui um mini guarda-chuva. Diante disso, ele providência um guarda-chuva enorme, mas que, para surpresa das crianças, só tem armação. As cenas da mosca inconveniente e da criação dos bonecos de jornal também são bem estruturadas e divertem o público infantil. Mais do que aquelas em que os personagens, aborrecidos com a falta do que fazer, procuram alguma ocupação no palco.
Resultado harmônico de roteiro, cenário e figurinos
A ausência de um texto e o descompasso entre as cenas comprometem a linearidade da história proposta pela companhia. Mas, na realidade, isso não tem muita importância num espetáculo calcado no trabalho corporal e na expressão facial dos atores. E na maior parte do tempo, Gustavo Rizzotti e Bruno Caldeira conseguem estabelecer uma boa relação entre eles e com a plateia.
Rizzotti, também responsável pela direção, pelo roteiro, pelo cenário e pelos figurinos, consegue um resultado harmônico nas diferentes áreas em que atua, deixando a desejar apenas na criação da trilha sonora. Composta por músicas experimentais e por clássicos de Schubert, Bach e Tchaikovsky, ela esfria terrivelmente o espetáculo. É claro que é ótimo para as crianças entrar em contato com as obras desses compositores, mas talvez o diretor pudesse dosar os elementos que utiliza: a ausência de cor na maior parte do tempo – no fim da montagem, as cores são introduzidas pela iluminação e pelos adereços – a falta de palavras e a sobriedade da música acabam, em alguns momentos, distanciando o público do espetáculo.
Não resta a menor dúvida de que Zigg, Zogg, a Mosca e os Jornais é um espetáculo singular. E talvez esteja aí a maior qualidade da montagem: dar às crianças a chance de experimentar sua sensibilidade diante de uma linguagem diferente daquela que elas estão acostumadas a ver na maioria das peças infantis.