Zeropéia: Elenco dedicado e imagens poéticas no Teatro do Jockey

Crítica publicada em O Globo – Segundo Caderno
por Marília Coelho Sampaio – Rio de Janeiro – 26.04.2004

 

 

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A Zeropéia – A Centopeia e o Cavaleiro: Grupo Hombu obtém respostas diferentes do público infantil

Duas peças de Ilo Krugli, com dois resultados

A Zeropéia – A Centopeia e o Cavaleiro: reúne duas peças inspiradas nos textos  A Zeropéia,  A Centopeia que Pensava  e  A Centopeia que Sonhava, de Betinho, e  O Príncipe Feliz, de Oscar Wilde. E não seria possível falar do espetáculo escrito e dirigido por Ilo Krugli, em cartaz no Teatro do Jockey, sábados e domingos, às 11h, sem respeitar a opção do Grupo Hombu de Teatro de apresentar duas peças completas em um mesmo horário.

Graça e humor na centopeia de Silvia Aderne

A primeira peça, com aproximadamente 40 minutos de duração, conta a história da Zeropéia. Para isso, os atores vão entrando em cena e se aconchegando sob uma grande e colorida colcha de reta­lhos, que representa as diferentes histórias vividas pelo grupo. E depois de uma breve introdução feita pelo narrador, o público vê, surpreso, a colcha transformar-se no corpo da centopeia, e suas cem patinhas surgirem puxadas por cordas enfeita­das com bolas coloridas. Es­se é um dos momentos poéticos do espetáculo.

E a centopeia, vivida com muita graça e muito humor por Silvia Aderne, começa uma caminhada que transformará sua vida. Logo de cara ela encontra a barata, também muito divertida na interpretação de Isadora Medella, que a rejeita por ter tantas pernas. Ela acaba sugerindo que a centopeia amarre uma parte de suas perninhas para ficar mais parecida com os outros bichos. Depois, o boi a convence de que o bom mesmo é ter quatro patas. O macaco, de que o ideal são duas; e a cobra, de que não há nada como se arrastar. Com todas as pa­tinhas amarradas, a centopeia vira uma Zeropéia muito infeliz, e só assim percebe que a única forma de ser feliz é se aceitar como nasceu.

A segunda peça, com uma hora de duração, já tem uma história menos clara para o público infantil. Nela, Krugli promove o encontro da centopeia com uma andorinha, e o das duas com a estátua de um príncipe que sofre ao ver to­das as injustiças sociais come­tidas na Cidade em que vive. E com a ajuda das duas, começa a se desfazer das riquezas ar­mazenadas em seu corpo para ajudar os pobres, chegando a doar os próprios olhos, na realidade, duas esmeraldas.

Como já foi dito, A Zeropéia – A centopeia e o Cavaleiro inclui duas peças. O que elas têm em comum? O dedicado trabalho dos atores, que também conseguem um ótimo resultado nos números em que cantam e tocam instrumentos, a eficiente iluminação de Eduardo Salino, o adequado figurino de Biza Vianna caprichados adereços de Bárbara Martins, as inspiradas músicas de Ronaldo Mota, Beto Coimbra e Cristiano Mota, e os belos arranjos de Ian Guest.

História da centopeia é mais prazerosa para crianças

E onde se dá a bifurcação? Parece que ela tem origem na própria personalidade de Ilo Krugli, que cria um cenário despojado e criativo para a primeira peça e enche o palco de objetos na segunda. E repe­te o procedimento na adaptação, produzindo um texto simples e poético na história da Zeropéia e misturando diferentes referências textuais e musicais na história do cavaleiro, o que contribui para que o público se disperse e perca o fio da meada.

São duas peças dentro de um só espetáculo e não resta a menor, dúvida: a primeira é muito mais prazerosa e interessante para o público infantil.