A Zeropéia, em cartaz no Teatro Jockey: o ideal é que alguns excessos sejam suprimidos

Crítica publicada no Jornal do Brasil
Por Carlos Augusto Nazareth – Rio de Janeiro – 12.06.2004

 

 

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Em cena, a magia de Ilo Krugli

Zeropéia
 encanta, embora precise de ajustes 

O espetáculo A Zeropéia – A Centopeia e o Cavaleiro comemora os trinta anos do Teatro Vento Forte, de Ilo Krugli, e os vinte e seis anos de existência do grupo Hombu,  que reencontra o Vento Forte. Juntos eles homenageiam no Teatro do Jockey, o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho (1935-1997), com montagem inspirada em texto de sua autoria. Segundo Ilo Krugli, o espetáculo é uma “livre junção” da história Zeropéia, de Betinho, com a de O Príncipe Feliz, de Oscar Wilde (1856-1900), já no século XIX falava de problemas sociais que continuam atuais, como a fome e a miséria.

Esse ponto comum entre Wilde e Betinho levou Krugli a se utilizar da poética história da estátua de ouro e pedras preciosas do Príncipe Feliz, que do alto tudo vê. Nesta versão,  com a ajuda da Andorinha Azul e da Zeropéia, ele socorre a população menos favorecida, doando-lhe o ouro e as pedras preciosas que constroem seu  próprio corpo.

Zeropéia é uma centopeia que chega ao campo com uma população de retirantes, numa referência ao Nordeste brasileiro. Inconformada com seus cem pezinhos, ela quer ser igual aos outros bichos, que têm seis, quatro e duas patas ou até nenhuma, como as cobras. Ela pensa que sendo igual aos outros viverá melhor. No entanto, depois de tentar “ser igual a todo mundo”, descobre que o melhor é ser ela mesma e que seus cem pezinhos podem levá-la por muitos caminhos.

Texto inspirado em histórias de Oscar Wide e Betinho 

A primeira parte da história é contada com a simplicidade e a criatividade – e por que não dizer, a sutil irreverência – inigualáveis, de Ilo Krugli. Trata-se de um teatro absolutamente autoral. A inventividade de Ilo continua a surpreender, trinta anos depois da peça  Histórias de Lenços e Ventos, que inaugurou o Teatro Vento Forte. Zeropéia tem a  chancela de Ilo, claro, mas ele se renova sempre a cada novo trabalho.

A abertura do espetáculo reforça a celebração, já que conta com a música dos índios Guaranis, seguida das belíssimas melodias de Ronaldo Mota e Beto Coimbra e Cristiano Mota, cantadas por todo o elenco, que também toca instrumentos. Em cena, Ronaldo Mota comanda a música.

Logo depois, como fosse um segundo ato, é encenado o conto de Oscar Wilde, ambientado em cenário urbano. Esta segunda parte apresenta excesso de informações cênicas e textuais que prejudica a clareza da história. Lindíssimas imagens teatrais surgem e ressurgem a cada momento e em diversos pontos do palco, encantando o público.

Mas parece que se quer dizer tanta coisa que, no final, imagens e palavras se tornam excessivas e alongam o espetáculo, que tem duas horas de duração. Esse tempo quebra de certa forma, o encantamento da simplicidade da primeira parte, dispersando a atenção das crianças. Bastaria priorizar imagens e textos, a história, enxuta, além de continuar encantando, seria melhor compreendida e prenderia mais fortemente a atenção dos menores.

Mas o encanto não termina aí. Silvia Aderne, a Zeropéia, domina a cena pela delicadeza e afetividade que transmite e pelo humor bem dosado que arranca boas risadas do público. Tudo isso com a simplicidade de uma menina que, em cena, brinca com seus parceiros de palco e com a plateia. Mouhamed Harfouch, que faz vários personagens que remetem a Betinho, além de interpretar o próprio Betinho, dosa movimentos, inflexões, gestos e emoção na medida certa.

Entre Silvia e ele se balança o espetáculo que ainda tem uma excelente participação de Thelma Nascimento e Isadora Medella. Roberto Wagner tem um tom duro e acima do equilibrado elenco, causando certa estranheza toda vez que toma a cena.

Ilo é um artista plástico e o visual de seus espetáculos são parte integrante de sua dramaturgia: a forma como os constrói, utiliza e transforma é decisiva. Os mais simples materiais, como bolas de gude, pedaços de pano e sucata  ganham vida e teatralidade. Uma grande surpresa é a bela escultura do cavalo, de Fábio Silveira, que também assina os interessantes adereços de arame. A luz, de Eduardo Salino, ainda precisa de ajustes; a operação também deixa a desejar.

Ilo Krugli é teatro, é celebração, é festa, é beleza, é emoção e todos esses ingredientes estão neste seu novo espetáculo.