Crítica publicada no Jornal do Commercio
Por Carlos Augusto Nazareth – Rio de Janeiro – 03.05.1997
O que é uma obra de arte?
Qual a função da obra de arte? Será que a maioria dos espetáculos infantis é criada sob a perspectiva da obra de arte? Aqueles que assim realizam seus trabalhos têm, com certeza, uma concepção, uma proposta, um objetivo; o de fazer teatro, pleno de sua função: emocionar, questionar, renovar, refletir, discutir – formar. Romper, renovar, propor, buscar, indagar – construir.
Este é o teatro que buscamos que desejamos ver proliferar nos palcos cariocas, nos palcos brasileiros. Acreditamos que haja lugar e espaço para todos os gêneros e tipos de fazer artístico ou chamado artístico, por aqueles que fazem. Há lugar para o Chaves, para o Programa do Gugu Liberato, para o Tiririca, para a Xuxa, como há lugar para Monteiro Lobato, Ana Maria Machado, Eliane Ganem, para o Grupo Hombu, para Ilo Krugli, para a Cia de Teatro Medieval e muitos outros.
Cabe a nós, criadores, especialistas, educadores e produtos de cultura, que temos o espaço do veículo público para expressar nossas ideias e conceitos, esclarecer, clarificar, identificar – sem nenhum vislumbre de censura, sem índex, nem recomendações. Cabe, a nós, ajudar o público a refletir sobre a obra de arte em questão, e, juntos, separarmos o joio do trigo, e fazermos com que o criador reveja seus critérios, propostas e conceitos – uma sugestão de reflexão. Esta acreditamos ser a função do espaço da crítica.
Um dos segmentos que está exigindo reflexão é o segmento do Teatro Infantil, que, após algum tempo de um percurso pujante, atravessa momento delicado, onde falta oportunizar que novos encenadores surjam para, uma renovação talentosa.
Toda esta reflexão inicial se deve à crítica que ora fazemos, do espetáculo em cartaz no Teatro Cândido Mendes A Volta do Rei e Leão.
Há uma linhagem de produtores de teatro infantil que, normalmente, ocupa os teatros dos clubes e alguns teatros do chamado circuito comercial, e que, sistematicamente, produz um teatro de muito baixa qualidade artística. Normalmente estes espetáculos não ocupam espaços como o Teatro Cândido Mendes, que primava por um critério de seleção bastante atento à qualidade do Teatro Infantil que ali colocava, mas que há algum tempo vem descuidando desta seleção. Após o excelente espetáculo História de Topetudo abre, incompreensivelmente, espaço para A volta do Rei Leão – sem dúvida, uma volta ao teatro infantil que opta pelo caminho mais fácil, que se perde em sua inconsistência enquanto proposta, enquanto obra de arte.
Não é teatro.
A história, bastante descritiva, com tentativas de ensinamentos dissimulados ao longo das falas de seus estereotipados personagens, sem nenhuma sutileza, conta uma história que não estimula, não emociona, enfim, uma história absolutamente inócua, se analisada sob a contribuição que possa trazer à sua plateia. Por outro lado este não é, com certeza, um espetáculo capaz de formar plateias futuras; o contato que as crianças têm com o teatro, através deste espetáculo, é devastador.
Um elenco totalmente despreparado tecnicamente, com pouquíssimos recursos enquanto atores gritam durante uma hora e quinze minutos, excita a plateia, induz à participação com perguntas e provocações, dançam do rap ao samba, enquanto as crianças gritam ao serem excitadas e conversam enquanto atores amontoados em cena, sem nenhum desenho cênico, passam a maior parte do tempo em semicírculo, dizendo mal um texto literário e nada coloquial, todos fazendo vozes de animais – menos quando cantam – que aí é hora de mostrar sua versatilidade como atores que cantam. E então tudo fica mais grave, pois o tratamento musical dado ao espetáculo é, inclusive tecnicamente, desastroso.
Uma trilha sonora de base, mal gravada, serve de suporte a atores que não têm condições de cantar. O texto teatral, a direção e o texto do livro são de Maria Cristina Furtado, que tem apoio da Xerox do Brasil para montar seu espetáculo. O Livro que tem como título “Viva a Liberdade”, Editora do Brasil, é, como literatura, e como livro de literatura infantil, tão frágil quanto o espetáculo, com ilustrações de igual teor, de Wanda Cardim. Surpreendentemente a programação visual do espetáculo, do qual foi visto apenas o convite, e uma camiseta estampada, é do premiado e talentoso Roger Melo. E acreditamos ser essa uma de nossas funções: alertar o público. Embora o nome de Roger Melo esteja na ficha técnica seu talento não está no espetáculo, onde é responsável apenas, ao que nos parece, pelo magnífico desenho do Leão. Na ficha técnica está também Djalma Amaral, premiado iluminador, responsável por trabalhos primorosos, mas que neste, especificamente, cria uma luz que não faz jus ao seu talento. Refletores multicoloridos povoam a cena sem criar nenhum desenho, efeito, ou clima; deixando, inclusive, as cenas mal iluminadas, com inúmeras áreas de sombra.
Os figurinos, de Marcelo Costa, fecham realmente o espetáculo, numa mistura de Barbarela com Tutus clássicos e contemporâneos, sem esquecer um toque aqui outro ali de astracã, numa mistura incompreensível de material, estilos, formas e cores, que dificultam saber quem é quem em cena.
Esperamos, veementemente, que reflitam a que vieram, sobre a função da obra de arte, sobre a função de um espetáculo teatral. Principalmente para crianças. Por que realizar um espetáculo teatral para crianças, tarefa tão árdua em nosso país, se não for por uma honorável missão ou uma explosão de talento? Dizer que ah… mas as crianças gostaram… não nos convence mais. A criança se excita e responde à excitação. Cabe aos criadores oferecer à criança o que há de melhor em qualidade artística, colocar a criança em contato com o mais sutil e criativo do ser humano. E oferecidas todas as opções à criança e aos pais, cabe, a eles, escolher, e cabe, a nós, informar. Ao criador, revelar.