Crítica publicada no Jornal A Notícia
Por Edigar de Alencar – Rio de Janeiro – 19.04.1965
Espetáculos do Rio
Peça: A Volta do Camaleão Alface, peça infantil em dois atos, de Maria Clara Machado. Estreia a 10 de abril de 1965.
Teatro: O Tablado
Direção: Maria Clara Machado. Assistência de Regina Gudolle.
Cenário: Dirceu Nery
Figurinos: Louise Nery
Intérpretes: Olnei Barrocas, Luis Sérgio Gonçalves, Regina Gudolle, Lúcia Marina Acioli, José Lima, Cláudio Viana, Pedro Proença, Bernardo Maurício, Sérgio Maron, Ivã Setta, Paulo Iório, Paulo Roberto Bastos e Flávio de S. Tiago.
Texto
Uma das qualidades do teatro infantil de Maria Clara Machado é a sua imediata aceitação pelos não infantis. Não há acompanhante que assista às vesperais do teatrinho do Jardim Botânico entediado ou sonolento. Não pode. A Volta do Camaleão Alface talvez seja, entre os trabalhos de MCM, um de mais agrado e percepção rápida das crianças. O que não impede que os adultos também fiquem de olho pregado no palco torcendo pela família aventureira e de quando em vez rindo alto diante do desenrolar da ação. Já de início, com a primeira cena, a habilíssima teatróloga põe a plateia, mesmo de grandalhões, como na noite de terça-feira destinada a crítica e convidados, logo em suspenso. A clareira da mata, os pios das aves noturnas e a busca do segredo predispõem à expectativa, ao interesse. Acrescente-se uma deliciosa mistura de bichos com gente, bichos de boas maneiras, quase grã-finos como a gatinha Florípedes, mas que não se metem a fogueteiro e são bichos até o fim, falando como bichos, inteligentemente, e não bobagens como outras criaturas da terra. Tanto a graciosa e melíflua gatinha como o inteligente burro Simeão e o próprio cachorro Gaspar fazem-se entender na sua voz quase sempre mais eloquente do que a de certos bípedes. Mas, além dos bichos, do bandido Alface, há índios e até um padre missionário, cuja nacionalidade em boa hora foi modificada de polonês da representação primitiva para o cearense, cabra da peste, da atual.
Espetáculo
Não assisti à representação primitiva de A Volta do Camaleão Alface há seis anos passados. Dessa vez o elenco não terá a experiência do anterior. Mas nem por isso perde em agilidade e frescura. Talvez até pelo contrário! E isso realça a direção da autora que consegue com amadores, alguns talvez estreantes, um razoável rendimento para o espetáculo, mantendo-o uno e equilibrado em seus dois atos movimentados.
Lúcia Marina Acioli, José Lima e Cláudio Viana formam um afinadíssimo trio animal… Simeão, o burro, é dos melhores personagens, enquanto José Lima faz um cachorro ativo e sugestivo. A gatinha Florípedes, a melindrosa da peça, tem na interpretação de Lúcia Marina destaque especial e logo conquista as simpatias do público, graúdos e miúdos, estou certo. Olnei Barrocas no Vovô, e Luis Sérgio Gonçalves e Regina Gudolle, no trio humano, bons. Maneco e Lúcia não poderiam ter melhores intérpretes. Pedro Proença no protagonista, o bandido Camaleão Alface, vai bem, como Sérgio Maron no fortíssimo Cacique e Ivã Setta no Peri boboca são esteios de valia da representação. Há ainda as intervenções rápidas mas engraçadas de Paulo Roberto Bastos e Paulo Iório no Balu e no Baluzinho. E finalmente um destaque para o Padre Joãozinho, Bernardo Maurício, padre legítimo do interior cearense. O Seminário Arquiepiscopal de Fortaleza tem dezenas de candidatos a padre daquele tipo. Autêntico.
Cenário e Figurinos
A cargo de dois artistas laureados pela crítica, tanto é feliz e adequado o trecho da mata de Dirceu Neri, como são deliciosas as vestes de Marie Louise Neri, notadamente as dos bichos.
Síntese
É possível que alguém observe a importância aqui dispensada a uma peça infantil. Direi apenas que o teatro infantil bem realizado, e é sempre o caso de O Tablado, não deve admitir restrições de tratamento. O espetáculo atual do teatro da Gávea, Jardim Botânico, agrada a crianças e a adultos. Deve ser visto. Texto claro, sem trocadilho, e agradável. Passatempo bem apresentado, no nível das produções de O Tablado.