Crítica publicada no Diário de Notícias
Por Henrique Oscar – Rio de Janeiro – 20.03.1959

A Volta do Camaleão Alface

Parece-nos que em A Volta do Camaleão Alface, peça para crianças de Maria Clara Machado que o Teatro da Praça está apresentando, a autora tem um de seus melhores originais do gênero. Sente-se logo de saída sua capacidade de se colocar num nível de raciocínio infantil, sem enveredar pelo estilo “débil mental” da linguagem estropiada, dos diminutivos e de uma fantasia completamente superada. Maria Clara, arma sua história e redige um diálogo aptos a serem apreendidos pela mentalidade infantil, com ideias, imagens e situações enquadradas no mundo da criança, e o faz sem utilizar os detestáveis recursos indicados acima, sem cair nos habituais lugares-comuns do gênero. Consegue interessar e divertir e ainda fornecer um ensinamento básico. Este não surge como uma lição, uma moralidade de fábula; não tem qualquer aspecto visivelmente didático. É algo que brota naturalmente da história, uma ideia largada en passant, mas de maneira suficientemente clara para ser apreendida pelas crianças. Os personagens de O Rapto das Cebolinhas: o Vovô, Maneco, Lúcia e Gata Florípedes, o cão Gaspar e o burro Simeão estão novamente às voltas com o bandido Camaleão Alface. Este, após na peça anterior ter andado roubando as cebolinhas com as quais se obtinha o chá que dava vida longa, quer agora apossar-se da receita de viver bem, deixada pelo dr. Sabidoso da Silva e que o Vovô e a turma vem buscar entre os índios, na bacia Amazônica.

O bandido será derrotado depois de muitas peripécias, no meio das quais o Vovô terá explicado, de passagem, que a receita é mais importante ainda do que o chá, porque não adianta ter-se uma vida longa se não se sabe vivê-la bem.

As lutas e perseguições com os índios e o bandido são oportunidades para as cenas movimentadas que as crianças tanto apreciam e que não faltam na peça. Esta diverte não só o público a que precipuamente se destina como os adultos que lá vão para acompanhar crianças ou por dever de ofício. É que há certa poesia, um humorismo natural da autora que, em suas melhores peças, tanto deliciam as crianças como encantam os adultos.

A encenação de Cláudio Correa e Castro nos pareceu igualmente muito feliz. A entrada dos índios pendurados num cipó, à maneira de Tarzan, é um achado precioso. A composição dos dois tipos de índios é também excelente. Fábio Sabag, no índio bobo, está realmente impagável, tem um desempenho engraçadíssimo, onde cada gesto, cada expressão tem seu efeito cômico. Também o cacique de Roberto Ribeiro é engraçadíssimo, formando a dupla dos personagens mais divertidos da peça. O padre Joãozinho de Yan Michalski e o bandido Camaleão Alface de Emílio de Matos são os trabalhos que vêm logo a seguir, também eficientes e divertidos, mas sem o pitoresco dos outros dois.

Já os restantes personagens, os que vêm de O Rapto das Cebolinhas, Camaleão Alface também vem, é verdade, têm, exceto um, intérpretes menos felizes. Atores quase todos menos experientes, não conseguem dar tanta vida a seus papéis, à exceção de Roberto de Cleto, já veterano no Maneco, e ídolo do público infantil, por suas atuações no Vesperal Trol, o que faz com que sua presença em cena seja sempre um motivo de vibração para as crianças. Se Antero de Oliveira, como Vovô, e Elizabeth Galotti, como a gata Florípedes, estão aceitáveis, Henrique Oswaldo, Gaspar; Teresinha Mendes, Lucia, e João Ferreira da Silva, Simeão, nos parecem muito fracos. Os cenários de Antero de Oliveira não nos pareceram felizes como concepção, lembrando uma floresta de bailado, de ópera ou mesmo de revista, nem como escolha de cores, pois dão um efeito soturno. Admitimos que a selva amazônica seja soturna, mais lúgubre ainda, mas trata-se de uma peça para crianças, onde devem predominar a luz, a claridade, a alegria. Estes senões, porém, de menor importância, como os leitores compreenderão, não chegam a prejudicar as qualidades de uma representação que é das melhores que ultimamente temos visto no gênero.