Crítica publicada em jornal não identificado
Por Augusto Maurício – Rio de Janeiro – 1959
A Volta do Camaleão
Maria Clara Machado deve ter sentido uma imensa alegria, domingo último, no Teatro da Praça, quando viu sua peça festejada pela sala cheia de crianças. Ela era a dona da casa, a expressão maior daquela pequena multidão de gente jovem que compareceu ao teatro em busca de um divertimento sadio para o espírito, a responsável principal pelo júbilo enorme que transbordava dos gestos e da sinceridade daquele “povinho” quando, a cada cena mais importante, aplaudia, calorosamente, o espetáculo.
Escrever teatro para crianças é um privilégio raro. É uma dádiva luminosa que somente os eleitos dos deuses possuem. E entre esses escolhidos se encontra, inteirinha, Maria Clara Machado. Seus trabalhos são verdadeiros poemas de bondade, exemplos de moral, incitação carinhosa aos bons costumes. Há sempre a virtude subjugando o vício, a vitória do bem sobre o mal. E tudo é feito de tal modo espontâneo e sincero, que se fica a meditar na ilusória possibilidade de ser verdadeiro o que se vê no palco.
É engano pensar que a criança se satisfaz com qualquer obra, que não se faz imprescindível apenas no teatro para diverti-la. Mais do que as pessoas adultas as crianças exigem o máximo de clareza, de verossimilhança nas cenas passadas no palco. Se assim não acontecer, desviam a atenção e se entregam à prática de outra diversão, podendo até perturbar o espetáculo.
E porque a peça era boa, a plateia acompanhou curiosa e ansiosamente todos os seus lances, cômicos ou sentimentais, demonstrando o máximo de interesse, guardando absoluto silêncio, só se manifestando nas ocasiões apropriadas.
Assim, num clima de plena alegria, se desenrolou o belo espetáculo que é A Volta do Camaleão Alface, a comédia mais recente de Maria Clara Machado. O texto é perfeitamente assimilável pela inteligência infantil. É uma história rica de pitoresco, em que há um tesouro oculto; um mapa indicativo do local onde a fortuna se encontra; um bandido, Camaleão Alface, que pretende apoderar-se do tesouro; uma gata carinhosa, um cão, um jumento, uma família que possui o mapa e se embrenha na floresta à procura da fortuna; uma tribo de índios que foram ferozes, mas que apreciam bombons de chocolate. Com estas personagens a autora imaginou a história e a conta agora de modo fluente, simples, ao alcance da mentalidade da gente a quem dedica o trabalho.
Aliás, as peças de Maria Clara Machado se destacam pelo muito de colorido e de verdade com que enfeita habilidosamente suas figuras. É um traço pessoal que valoriza sobremodo a sua produção literária e teatral. Suas imagens são tanto quanto possível reais, provocando na mente infantil a reação adequada. Daí a percepção integral do que ocorre na cena.
O desempenho da peça foi entregue à habilidade de um grupo de gente nova, amante de teatro, de espírito povoado de sonhos, que deu muito de sua alma à representação. São os jovens Roberto de Cleto, Antero de Oliveira, Terezinha Mendes, Henrique Osvaldo, João Ferreira da Silva, Elizabete Galoti, Emílio de Matos, Fábio Sabag, Ian Michalski e Roberto Ribeiro.
Todos os artistas, vestidos pelo figurino de Kalma Murtinho, apresentavam-se excelentes, tendo conquistado a simpatia total da plateia mirim a Gatinha vivida por Elizabete Galoti. A direção eficiente de Cláudio Corrêa e Castro se fez sentir, e os cenários de Antero de Oliveira eram, realmente, uma visão de floresta.
A Volta do Camaleão Alface, pelas homenagens que recebeu, pode-se considerar vitoriosa.