O trio de vizinhos é uma das muitas atrações da peça. Foto de Silvio Pozzato

Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 29.10.1994

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Surpresas numa aldeia caipira

Teresa Frota, a bem-sucedida autora das peças A Rainha Alérgica e O Topo da Montanha, vem se revelando na arte de escrever para crianças, com invejável competência. Dominando muito bem os temas que aborda seus textos, embora bastante, diversos uns dos outros – A Rainha Alérgica é uma fábula ecológica e O Topo Da Montanha uma alegoria sobre o crescimento – têm sua marca autoral na história bem encadeada, onde a mensagem implícita é captada em profundidade. Viravez, o Cortês, sua última produção, não destoa das demais.

O tema central do texto, recolhido na sabedoria popular, em seus ditos de impacto e às vezes de dúbia interpretação, tem colorido semelhante aos enredos das farsas medievais. Ambientado numa cidadezinha do interior (provavelmente mineiro), Viravez não foge à regra do rapaz cortês que se casa com uma mulher de maus bofes, têm vizinhos interesseiros, uma comadre fofoqueira e, para completar, uma sorte que vai e vem para que lhe sirva de aprendizado.

Com personagens muito ricos e marcantes, Teresa Frota conta sua história na linha do humor, dando ao espectador agradável sensação de poder espiar a vida alheia e aprender um pouco mais sobre a natureza humana, que, aliás, é sempre a mesma- só muda o cenário. A direção de Henri Pagnoncelli ressalta as situações bem-humoradas e cheias de sabedoria do texto, concebendo um espetáculo ágil, sem, no entanto interferir no ritmo dos personagens. Tarefa nada fácil, levando-se em consideração o tempo naturalmente lento das aldeias e de seus típicos habitantes. Sem ferir a cor local, Pagnoncelli aposta em cenas bem interligadas e sobretudo na riqueza de detalhes das performances. O conjunto funciona de maneira surpreendente.

No aconchegante cenário de Ricardo Ferreira, onde a casa dos camponeses é um convite à comilança e ao desenrolar dos causos, Teresa Frota, que também assina figurinos muito adequados à ação, é Inácia, a mulher braba do cortês, tirando o melhor do mau humor. Arildo Figueiredo, como o Saci, consegue driblar as armadilhas de seu texto, todo em rimas, mesmo tendo em Flávio Antônio o contraponto um tanto tímido na interpretação de Viravez, Jacyan Castilho canta, dança e representa com qualidade. A surpresa do espetáculo, no entanto, fica com o trio caipira Marcello Caridad, Nilvan Santos e Ricardo Santos, respectivamente os irmãos Felismino, Marcolino e Vivaldino, com gestual muito próximo ao dos Três Patetas, sem americanismos exagerados. Com tempos de comédia distintos, que só beneficiam o conjunto, os integrantes do trio, em elaborada performance, conquistam a plateia desde a primeira aparição.

A trilha (sonora) para o caminho da roça tem letras de Renato Icarahy, música de Caíque Botkay e direção musical de Mário Ferraro. A luz da aldeia e a Lua no céu são de Aurélio de Simoni, num momento muito inspirado.

Viravez, o Cortês é um espetáculo de achados, onde todos os elementos foram feitos um para o outro. Um casamento feliz, ao qual se deseja longa vida.

Viravez, o Cortês está em cartaz no Teatro Gláucio Gill, aos sábados e domingos (18h). Ingressos a R$ 6.

Cotação: 4 estrelas (Excelente)