Vira Avesso, Teatro Dulcina

Adivinha O Que É, Canecão

Crítica publicada no Jornal do Brasil
Por Flora Sussekind – Rio de Janeiro – 04.09.1981

Barra

Virando ao Avesso o Feriado Infantil

Neste final de semana prolongado, quem sabe não teria lá sua graça levar as crianças à parada de Sete de Setembro? Como complemento para a ocasião o ideal talvez seja uma ida ao Canecão para assistir ao show infantil do MPB-4, sobretudo à pequena parada que desfila em cena com todos de pijama e instrumentos de lata na mão. Principalmente no feriado, quando haverá uma sessão extra às 16h de Adivinhe O Que É.

Ainda na linha dos shows outra boa opção é o novo espetáculo do Bloco da Palhoça, Canto de Trabalho, no Teatro Villa-Lobos. Fora o retorno do grupo à sua própria linguagem, meio abandonada no espetáculo do ano passado, quando uma excessiva teatralização quebrou um pouco com a comunicabilidade característica do Bloco; há especialmente, o interesse em ouvir músicas que lembram os diversos campos de atividade profissional. E não deixa de ter um gosto especial perceber que quando o trabalho que se exerce ainda dá prazer, é possível criar “cantos” que o lembrem, que possam ser coletivamente repetidos quando se trabalha. Como se o ritmo do canto fosse dado pelo do próprio trabalho. E também o contrário, como se, cantando, andasse mais rápido, ficasse mais leve o trabalhador. E um dos principais interesses do espetáculo está justamente na comparação que a plateia infantil não pode deixar de fazer daqueles trabalhos onde se canta com os trabalhadores que está acostumada a ver. Que prazer ainda resta à maior parte dos trabalhadores que se vê no Rio, para que se possa imaginá-los cantando durante a realização de suas tarefas diárias? Não se pode sair do Teatro Villa-Lobos sem uma estranha sensação de desconforto diante do que salta aos olhos: no nosso cotidiano, os cantos que acompanham o trabalho ou se originam de um radinho de pilha, ou dos próprios ruídos da cidade. Quem ainda consegue misturar aqui trabalho e prazer?

Parece que ao habitante de uma cidade grande e industrializada o canto espontâneo durante o trabalho é coisa vedada. Só lhe restam a organização de uma escola de samba ou de uma parada, onde lhe cabe normalmente o papel de espectador: ou, quando muito, nos finais de semana, um baile, e no Carnaval, algum bloco. O nosso cotidiano parece condenado a se desenrolar sem trilha sonora, sem muito prazer. Por isso talvez seja interessante levar as crianças a alguns poucos espaços onde trabalho ainda é sinônimo de prazer. Como o Circo Garcia e a inegável sedução da vida de seus artistas. Como a exposição das carrancas de Guarany no Serviço de Documentação da Marinha. Talhando a madeira ou perambulando como saltimbanco ainda dá, por vezes, para cantar. E, se o que se deseja não é apenas mostrar às crianças que às vezes é possível trabalhar no que se gosta, mas deixar aberta a possibilidade de que venham a virar do avesso uma sociedade onde se ouvem poucos cantos e poucos tambores que sejam apenas de lata, as melhores opções na programação estão em Vira Avesso, com o Grupo Além da Lua; e Brincando com Fogo, com o Grupo Manhas e Manias, no Teatro Ipanema.