Crítica publicada no Jornal O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 20.05.1978

Barra

A Volta do Barquinho

Em março de 1975, quando da primeira montagem de A Viagem de Um Barquinho, escrevi o seguinte: “Uma viagem deve ser uma festa. Sylvia Orthof, baseada nesta afirmação da Lavadeira, consegue fazer com que as crianças presentes ao teatro participem de uma viagem poética e repleta de ternura. Seu espetáculo procura atuar sobre a disponibilidade que todos temos de nos abrir para as experiências da vida: Ir e voltar sem tempo de chegar. A liberdade do barquinho e o egoísmo de seu dono são trabalhados de modo a que paire, no ar, um constante sentimento de soltura, de busca, de aventuras e descobertas. O texto, primeiro lugar no concurso de Peças Infantis promovido pela Fundação Teatro Guaíra, é uma obra inteligente que consegue aliar uma boa capacidade de percepção poética da realidade a uma linguagem que fala com as crianças com muita fantasia e simplicidade”.

Nesta remontagem, realizada três anos depois, tudo isso permanece válido. Entretanto, se o texto mantém as mesmas qualidades, o espetáculo não consegue atingir a mesma força. Calcada na encenação original, a atual montagem em cartaz no Teatro Gláucio Gill traz algumas modificações, inclusive com a entrada da autora no elenco fazendo a Lavadeira. Permanecem as características já conhecidas do trabalho de Sylvia Orthof: um elenco bem ensaiado, uma preocupação visual determinando resultados de muita beleza. Porém, falta um certo clima poético e uma melhor “amarração” do espetáculo, que, apesar de correto, corre um pouco frouxo, sem garra. Para isso talvez tenha contribuído o fato de Sylvia dirigir e interpretar ao mesmo tempo, o que retirou dela boa parte do necessário distanciamento crítico.

Talvez tudo isso fique resolvido apenas com uma atuação menos descansada da Lavadeira que, com um pique mais intenso, certamente eliminará o “arrastado” da montagem, estabelecendo uma maior comunicação. Essas observações, entretanto, não devem afastar o espectador. O parágrafo mais importante deste artigo ainda é o primeiro. A Viagem de Um Barquinho é um trabalho de muito boa qualidade, trata de ideias estimulantes e permite que crianças e adultos naveguem livremente “pelo rio da imaginação” com um patinete chamado Matilde, com vagalumes, cavalos verdes e azuis e com um sol e um sapo que, numa época de tantos apelos para a delação, no teatro infantil, recusam-se terminantemente a ser dedo-duros. Vá ver.