Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 19.06.1999
Aventuras e desventuras indígenas
Tudo começou uns dois anos atrás no Museu do Índio. O espetáculo se chamava Índios Invisíveis e era apresentado ao ar livre. Mas como nem no museu todo dia é de índio, as apresentações foram rareando até desaparecer para sempre. Ano passado o espetáculo voltou à cena no Museu da Praça XV com o nome As Lágrimas do Curumim. Temporada relâmpago, curumim chorando demais e a peça saiu novamente de cartaz para uma reformulada geral. E no corta-recorta nasceu A Viagem do Curumim, agora em cartaz no Teatro SESI. Não é peça de ator, é peça de boneco e, nessa arte para iniciados, dificilmente o criador dá como fechado seu trabalho.
Jorge Crespo, o criador e encenador de A Viagem do Curumim, é um pesquisador incansável da arte da manipulação e da confecção de bonecos, e nisso seu espetáculo é impecável. Num palco amplamente cenografado – uma floresta cheia de acidentes em boas perspectivas -, bonecos índios contracenam com animais de diversas espécies, numa mostra interessante de manipulação do teatro negro, bonecos de vara e fantoches de luva.
Um show de técnica e movimento, ampliado pela delicadeza da iluminação de Djalma Amaral, que dessa vez abandona a luz-personagem, uma de suas marcas registradas, e ilumina o espetáculo de bonecos exatamente como se fosse de atores. Uma ousadia que deu certíssimo.
Mas se o diretor acertou um cheio nos personagens, na ambientação e na técnica de manipulação, ficou faltando no palco uma história que conduzisse personagens de espumas tão interessantes.
O texto de Antônio Carlos Soares, contando as desventuras dos primeiros habitantes da nossa terra, embora muito oportuno nessa comemoração dos 500 anos do Brasil, reflete ainda uma visão de coitadinho do indígena: índio sofre, curumim chora, e o mundo é muito mau. Com esse enredo de vilões e heróis não sobram muitos atalhos na trama. A história se esgota muito antes de a peça terminar. As lacunas são preenchidas por cenas contemplativas e aí não há plasticidade cênica que segure a atenção da plateia.
Esse não é o fim do espetáculo, aliás, é só o começo. Autor e diretor que se entenderam tão bem, procurando sempre aprimorar a encenação, por certo ainda têm muito que acrescentar a essa obra aberta, que só foi melhorando a cada reinvenção. É como o movimento dos títeres, que sempre pode ser trabalhado um pouco mais, até chegar à respiração perfeita. A tal arte que só se aprende a fazer, fazendo.
Cotação: 2 estrelas (Bom)